Os textos da reforma da Previdência e o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, chegam ao Congresso com forte apoio da base aliada, por mais que a crise envolvendo o ex-presidente do PSL e integrante do primeiro escalão da Esplanada, Gustavo Bebianno, tenha desestabilizado o núcleo do Planalto. Parlamentares e analistas ouvidos pelo Correio acreditam que ainda é improvável uma perda de sustentação do governo Jair Bolsonaro, dada a alta popularidade do presidente e a pacificação sobre a necessidade de mudanças nas regras de aposentadoria e do fortalecimento da legislação contra criminosos.
Antes de iniciar o governo, em meados de dezembro, Bolsonaro contava com 255 deputados, podendo chegar a 372 votos a depender do projeto a ser votado. A base aliada, de acordo com esses números, é maior do que a de Fernando Collor (320), em 1991, e a de Luiz Inácio Lula da Silva (323), em 2012. “A base de Bolsonaro verificada em dezembro permanece praticamente a mesma”, afirma Antonio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que fez o levantamento. Na prática, o Planalto deverá buscar um número possível de votos para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que prevê quórum qualificado de 308 apoios. A tarefa, a partir da base mínima e da possível, não é das mais complexas.
O porta-voz da Presidência da República, general Otávio Rêgo Barros, afirmou na segunda-feira (18/2) que a expectativa do governo é de Bolsonaro levar a proposta da Previdência pessoalmente ao Congresso na quarta-feira (20/2), por ser um “tema de extrema relevância”. Ele disse, porém, que não foi decidida a hora em que isso será feito. Provavelmente não será de manhã, já que está marcado um café da manhã do presidente no Palácio da Alvorada com a bancada do PSL na Câmara. É um sinal de deferência do Planalto ao Congresso, algo valorizado pelos parlamentares.
Ruídos
Para o cientista político Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a saída de Bebianno “gera ruídos”, mas não compromete a formação da base do governo no Congresso. “Há muita espuma em torno desse episódio, que é, sim, importante, mas não tem maiores consequências quanto ao apoio parlamentar do Planalto”, destacou. Os principais esforços para garantir votos favoráveis à reforma até agora foram empreendidos, ele explicou, em conversas com parlamentares envolvendo o ministro da Economia, Paulo Guedes, e os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Na avaliação do líder do Podemos na Câmara, Paulo Nelto (GO), o eventual prejuízo da saída de Bebianno não virá com a exoneração em si, mas em consequência de declarações que ele venha a fazer — o agora ex-ministro nega oficialmente esse risco, mas disse a interlocutores, na semana passada, que poderia divulgar informações desconfortáveis para o Planalto. “Se revelar algum fato grave envolvendo o governo, o Congresso terá de investigar isso, até mesmo chamando o ex-ministro para prestar depoimento.” Na segunda-feira (18/2), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado, afirmou que convidará Bebianno a dar explicações sobre as supostas candidaturas laranjas do PSL em 2018.
Nelto não crê que o eventual prolongamento da crise altere o apoio às reformas, mas avalia que, mesmo assim, o resultado será ruim para o governo. “Ninguém vai mudar de opinião em relação às reformas por conta disso. Mas a tramitação da proposta será postergada”, alerta. O Podemos, que se apresenta como oposição ao governo, pode votar favoravelmente às reformas, dependendo da avaliação dos 11 deputados da bancada, que pretendem decidir o posicionamento e votar em conjunto.
“Gaze úmida” contra crise
A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) afirmou que o governo Jair Bolsonaro está com uma “queimadura de terceiro grau”, após a crise interna gerada pelo episódio do secretário-geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno. Joice teme, inclusive, qual será a postura de aliados do Congresso depois do que ela chamou de “fritura pública” de Bebianno. “Não se trata de ser contra ou a favor (de Bebianno), mas da forma como tudo foi conduzido. No Congresso e no partido, há um clima de apreensão. Não se pode passar o recado a aliados de que essa fritura pública pode acontecer com qualquer pessoa”, disse a deputada, depois de almoço da bancada paulista com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Agora, vamos ver como vamos colocar uma gaze úmida nessa queimadura de terceiro grau”, comentou.