Da Comunicação Sinpol-DF
O modelo de polícia adotado nos Estados Unidos foi tema de uma palestra conduzida por Eliel Teixeira, brasiliense que é policial naquele país, na noite da última quinta, 8. O evento foi promovido pela Faculdade Real, realizado no auditório do Sindipol-DF e contou com o apoio do Sinpol-DF.
Alex Galvão e Elcimar Nunes, dirigentes do sindicato, acompanharam a palestra. Alex, inclusive, mediou a mesa de debates montada após a explanação do convidado.
Eliel fez um apanhado histórico que alcançou desde a independência americana até o século 20, quando o modelo atual de uma polícia de carreira única e ciclo completo passou a vigorar.
Apesar de evitar fazer comparações e inferências com a realidade brasileira, ficou claro para aqueles que acompanharam a palestra que o Brasil está atrasado há pelo menos 100 anos no processo de modernização do sistema de Segurança Pública – principalmente no que compete ao modelo de polícia – e de valorização dos servidores da área.
Também ficou evidente, com o panorama apresentado por Eliel, que todas as iniciativas na busca por uma reconfiguração no sistema policial brasileiro emperram em interesses corporativos e, por isso, as discussões no Congresso Nacional não avançam.
“Todos os policiais começam pela mesma porta de entrada. Não há diferença de atribuição. Todos fazem a mesma coisa. Não tem ego. Há espírito de corpo em todas as forças”, sintetizou o palestrante.
INVESTIMENTO
Outro ponto que causa um choque de realidade é o processo rigoroso de formação dos policiais e o investimento nos chamados recrutas – aspecto que, inclusive, resulta em maior empatia da população.
Segundo Eliel, apenas no Condado de Los Angeles, onde ele trabalha, uma seleção para policiais atrai entre 40 e 70 mil candidatos. Desse montante, a cada mil inscritos, apenas 100 passam para a segunda fase, que é a investigação social e a avaliação psicotécnica. A média de aprovação nessa fase é de dois candidatos. Da etapa seguinte, que é a formação na academia, apenas 1,5 candidato torna-se policial.
Para cada candidato que chega à academia, investe-se 120 mil dólares. Na Polícia de Los Angeles, a média é de 50 novos policiais a cada processo de formação.
“A ideia é de que quem entra na polícia enfrentou um processo seletivo rigoroso contribui para fortalecer uma imagem positiva do policial entre a sociedade”, corrobora o palestrante.
PERFIL
Hoje, a idade média de um policial americano é de 39,5 anos. O QI médio deles é de 104 – enquanto o da população é de 98.83% possuem formação equivalente ao segundo grau (os 17% restantes correspondem aos que trabalham para a polícia federal, que exige nível superior). Muitas das agências policiais oferecem incentivos para a formação superior e, por isso, cerca de 45% acabam cursando uma graduação.
O salário inicial de um policial nos EUA é de 5,5 mil dólares – atingindo o dobro quando se atinge o topo da patente. Para efeitos de comparação, um casal de trabalhadores comuns americanos de classe média tem renda mensal de 4,5 mil dólares.
A idade de aposentadoria do policial americano é de 55 anos – “justamente por causa das peculiaridades da carreira e os reflexos na saúde física e mental”, destacou Eliel – enquanto a do trabalhador comum é dez anos depois. Confira a íntegra da palestra abaixo.
Quando se aposenta, chega a ganhar até 105% do salário. No entanto, a expectativa de vida do policial é de 60 anos.
Apesar de viverem situações bem distintas, alguns aspectos da carreira policial continuam iguais em várias partes do mundo: o risco à profissão e as consequências do trabalho policial são as mesmas. Lá nos Estados Unidos, em média 135 policiais morrem, por ano, em razão do trabalho. Em 2018, 159 tiraram a própria vida.
“Morre-se mais por suicídio do que trabalhando. Mas este é um fenômeno que tem acontecido não só lá, mas aqui, no Brasil, no México e na Europa. Existem várias linhas de pensamento tentando entender isso, mas sem conclusões”, completa Eliel.
PONTO DE VIRADA
Embora a remuneração e o investimento na formação saltem aos olhos, não foi sempre assim: Eliel contou, ao fazer um apanhado histórico da constituição das polícias, que o ponto de virada se deu só no século 20, após a segunda guerra mundial, quando se vislumbrou que era preciso ter uma carreira estruturada, promoções, meritocracia, educação e treinamento.
Também está por trás dessa transformação o combate ao crime organizado – que chegou a se instaurar dentro das organizações policiais.
Embora seja complexo – uma vez que nos 50 estados há 19 mil agências e 750 mil policiais -, o modelo americano tem em comum apenas uma porta de entrada. E, para se chegar à chefia, “tem que ser alguém que já trabalhou na atividade fim e conhece a realidade [do trabalho policial]”, explicou Eliel. Em alguns estados, a escolha do chefe de polícia é feita por indicação, mas, em outros, ele é eleito pela população. “Mas atingir esse posto exige que a pessoa tenha uma trajetória que justifique”, diz.
Ao concluir a explanação, o palestrante respondeu às dúvidas dos participantes – a mesa de debates foi mediada por Alex Galvão, diretor do Sinpol-DF e vice-presidente da Cobrapol. Ele esclareceu pontos sobre os incentivos fiscais que os policiais americanos recebem, sobre o grau de especialização de cada agência policial e como elas trabalham em cooperação. Você consegue assistir a todas no vídeo abaixo.
SEGURANÇA PÚBLICA
Para Alex Galvão, a iniciativa de promover a palestra é bastante positiva pelo momento em que o Brasil vive desde as últimas eleições, quando a Segurança Pública foi o assunto que dominou a campanha eleitoral, até agora, quando a Reforma da Previdência coloca em xeque a atividade policial.
“Conhecer a experiência de outros países é fundamental para que nós possamos defender melhorias – sobretudo quando estamos, diariamente, no Congresso Nacional acompanhando como o assunto vem sendo discutido. Muito do que há lá fora poderia ser adotado aqui, como exemplo uma carreira com entrada única e ascensão baseado na meritocracia, mas ainda há muita resistência”, afirma.