Da Comunicação Sinpol-DF
No último mês de novembro, foi publicado nos Estados Unidos o livro Desmemberments – Perspectives in Forensic Anthropology and Legal Medicine. A obra trata do desmembramento pós-morte em diferentes países e conta com um capítulo sobre a experiência no Brasil. O trecho foi escrito pelo perito médico-legista aposentado Aluisio Trindade, um dos pioneiros da Antropologia no Instituto de Medicina Legal (IML) do DF.
A exemplo dos nomes escolhidos para representar países como Estados Unidos, França, Itália, Portugal e Austrália, o policial civil e médico brasileiro foi convidado por ser umas das principais referências da área no país, sobretudo pela experiência com casos complexos e necrópsias especiais. Compartilhando o mérito, Aluisio afirma que o convite veio “porque o IML de Brasília é um órgão respeitado no Brasil inteiro e, especificamente, por conta do prestígio da Seção de Antropologia”.
Segundo o médico, a publicação do livro foi motivada pela percepção das duas editoras de que o desmembramento (termo técnico para esquartejamento) era um assunto com pouca produção na literatura científica. Para enriquecer o tema, dividiram a obra por países e, assim, os vários autores trazem perspectivas diferentes, apresentando características, ferramentas, técnicas de análise e instrumentos variados.
BRASIL
O capítulo brasileiro, denominado Dismemberment in Brazil: from early colonization to present days, traz um panorama extenso sobre a prática no país. Partindo do período de colonização, Aluisio escreve sobre a antropofagia habitual de determinadas tribos indígenas – resultado de vingança ou da crença de incorporação do espírito do guerreiro inimigo.
Ele aborda também a execução de Tiradentes, que depois de morto na forca, foi desmembrado como parte da sentença. Outro caso famoso descrito pelo médico foi o de Lampião, morto no fim da década de 30 e também esquartejado – assim como o inconfidente mineiro, com o objetivo de aterrorizar a população e inibir novas ações semelhantes.
Em seu capítulo, o dr. Aluisio discute, ainda, as motivações para o ato. Segundo o perito, uma das mais comuns é facilitar que o corpo seja escondido – o que se conhece por desmembramento defensivo. Outro motivo é a raiva extrema, quando o indivíduo, mesmo depois do assassinato, ainda está com um ódio muito grande e, para completar a vingança, age dessa forma.
O terceiro é quando a pessoa planeja o ato para demonstrar extremo desprezo pelo outro, como já ocorreu, por exemplo, durante rebeliões em presídios brasileiros, em que integrantes de determinadas facções criminosas esquartejam presos de gangues rivais – situação também mencionada pelo policial civil na obra.
PRODUÇÃO
Completando o capítulo, ele relatou três casos que ocorreram no DF e eram ricos em documentação. Aluísio fez, ainda, um levantamento estatístico no IML e verificou que, a cada 500 autópsias de homicídios, havia um caso de desmembramento. O estudo foi feito com os casos registrados entre 2012 e 2016, totalizando 4.350 cadáveres.
Segundo o médico legista, os casos de desmembramento são sempre muito difíceis porque envolvem a necessidade de unir partes do corpos. “Quando o cadáver é encontrado bastante tempo depois ou as partes são localizadas em lugares distantes e em épocas distintas, o desafio para identificar a pessoa e esclarecer a causa da morte é ainda maior. São necropsias muito complexas, bem diferentes de casos do dia-a-dia”, ressalta.
Por isso, Aluisio destaca que o livro servirá, principalmente, como fonte de estudo para outros médicos legistas. “Já que é algo pouco frequente, ele poderá auxiliá-los nos momentos em que os peritos se depararem com a necessidade de realização de uma necropsia com desmembramento”, afirma. “Quando se está diante da situação é importante que se tenha o conhecimento. E esse livro é muito útil nesses casos, para que se saiba o que é que se deve procurar. Ele praticamente esgota o assunto e é um legado que fica para os próximos legistas”, assegura.
Convidado para integrar a produção no início de 2017, Aluisio levou aproximadamente seis meses para concluir o capítulo que ficou sob sua responsabilidade – entre o tempo de pesquisa, escrita, e revisão. Ele escreveu em português e depois traduziu para o inglês, que é a língua da obra. “Eu vi que seria um desafio grande, mas eu me senti extremamente honrado”, lembra o médico.
“Eu enxerguei o convite como um reconhecimento pelo trabalho de mais de três décadas no IML”, afirma o médico legista, aposentado desde fevereiro de 2018. “Eu me senti muito gratificado profissionalmente e vi a oportunidade como um coroamento da minha atividade profissional na Polícia Civil”, comemora o dr. Aluisio.