Gilberto Silva*
“Se o homem falhar em conciliar a justiça e a liberdade, então falha em tudo” – Albert Camus.
Com as eleições se aproximando, um tema recorrente nessa época volta a ser o centro do debate político: a segurança pública, que voltou à pauta principal com a chamada intervenção militar no Rio de Janeiro, com o risco de alastrar-se às demais unidades da Federação, já que a situação nos demais Estados não é muito diferente do Rio de Janeiro.
Diante dessa situação caótica, as redes de televisão invariavelmente mostram imagens espetaculosas e pirotécnicas de ações policiais, muitas vezes atuando em situações pontuais, mas que são mostradas como universais, cujas matérias invariavelmente são seguidas do comentário de um palpiteiro de plantão, apresentado com o pomposo título de “especialista”, mesmo nunca tendo feito nenhuma pesquisa sobre o tema. Esses indivíduos, na maioria das vezes, estão mais preocupados em agradar a linha editorial da emissora da qual estão a serviço, ainda que sejam apresentados como convidados, do que realmente fazerem uma análise técnica e aprofundada sobre o tema, mantendo-se na forma rasa e rasteira de analisar, quase sempre tentando agradar ao senso comum.
Nesse cenário de balbúrdia, raramente vimos ou ouvimos alguém levantar uma questão fundamental na segurança pública, que é o sucateamento deliberado das Polícias Civis pelos governos estaduais, que, na atual conjuntura, ainda funcionam em razão da abnegação e determinação de parte de seus integrantes. Qualquer cidadão com inteligência mediana, especialmente alguém que se apresente como “especialista”, sabe, ou pelo menos deveria saber, que as polícias civis são responsáveis constitucionalmente pela investigação de crimes, investigações que, além da produção de provas, são fundamentais para a criação e alimentação de bancos de informações, sendo um trabalho feito de forma discreta, velada e quase sempre a longo prazo, pois uma investigação não pode ser feita de forma apressada e atabalhoada, dependendo, na maioria da vezes, de laudos técnicos e periciais para corroborar, de forma inequívoca, as provas contra os investigados. Este trabalho técnico, sempre pautado nas garantias constitucionais dos investigados e alicerçado no Estado Democrático de Direito, é fundamental para minimizar os riscos de injustiças, como também fornecer ao Ministério Público e Judiciário elementos comprobatórios, para que esses possam oferecer denúncia, julgar e condenar os culpados.
Exatamente por ser uma polícia cujo trabalho não é imediatista ou pirotécnico, a Polícia Civil não se revela apropriada para o uso político por parte dos governantes. Dessa forma, percebe-se um sucateamento deliberado e permanente, com falta de recursos material e pessoal, inclusive investigadores, delegados e peritos. Com isso, passa-se a falsa imagem à população que as Policias Civis não funcionam ou não são necessárias, havendo o interesse oculto dos governantes de atribuir as funções da polícia investigava a outras instituições que, pelo próprio perfil, possam ser utilizadas de forma teatralizada e midiática, ainda que para isso se fragilizem as garantias constitucionais, com riscos de ruptura institucional.
*Gilberto Silva, é agente de polícia da Polícia Civil de Goiás e graduado em Filosofia