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Ausência de tratamento preventivo dificulta o tratamento dos policiais que adoecem por causa da profissão (Foto: Arquivo Sinpol-DF)

Do Jornal de Brasília

Só entre a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), em seis meses, houve 796 atendimentos psicológicos

Em filmes de detetive, o policial depressivo, viciado em álcool e cigarro, é um personagem romântico, idealizado. Na vida real, esses traços levam a transtornos psiquiátricos e afastamentos, mas o problema é varrido para debaixo do tapete. No DF, a Secretaria de Segurança  não mantém controle sobre os atendimentos relativos à saúde mental das polícias e bombeiros – seria uma função exclusiva das corporações – e as instituições não tornam públicos dados a respeito.

De acordo com as últimas publicações no Diário Oficial do DF (DODF), a procura dos agentes de segurança por ajuda psicológica e psiquiátrica é alta. Os dados mais recentes se referem aos primeiros seis meses de 2015. Nesse período, foram 3,8 mil atendimentos médicos para policiais civis, o que inclui as assistências psiquiátricas, e 796  psicológicos. O efetivo total da PCDF é em torno de cinco mil, então quase quatro a cada cinco agentes procuraram algum tipo de ajuda.

O DODF ainda revelou que, nos meses de abril, maio e junho  passados, dez policiais militares participavam de programas anti-suicídio, 12 recebiam acompanhamento psicológico e 16 eram assistidos por dependência química. Para a Associação dos Praças (Aspra), esse número  se deve mais à falta de capacidade da corporação para atender à demanda do que a uma possível baixa procura.

“Temos uma polícia doente, essa é a realidade”, desabafa o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do DF (Sinpol-DF), Rodrigo Franco. “A própria natureza da atividade (provoca isso). Lidar todos os dias com o que há de pior na sociedade, desde   briga de família e abandono de incapaz até   homicídio e estupro, que acontecem centenas por semana, é desgastante. O policial é humano e absorve esses sentimentos negativos”, complementa.

Segundo acadêmicos da   Universidade do   Rio de Janeiro (Uerj), uma pesquisa sobre   suicídio com a PM local só foi possível porque o comando não acreditava  que o problema existisse na polícia. Mas o resultado não foi o esperado.

SUCÍDIO: O PROBLEMA AINDA É TABU

O assunto de suicídio é tabu tanto entre a polícia quanto na maioria das esferas da sociedade, mas o problema acontece e militares e agentes sabem e temem isso. Em geral, não se noticia (ou não se deveria se noticiar) casos em que a pessoa tira a própria vida. Dessa forma, estatísticas a respeito desse tipo de morte são difíceis de se obter. Em julho   passado, no 9º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Rio de Janeiro, no entanto, o tema ganhou notoriedade.

Nenhuma estatística a respeito da situação em Brasília foi apresentada, mas estudos com policiais de outros estados ajudaram a ilustrar o momento vivido pelos agentes de segurança. Uma pesquisa do Laboratório de Análise da Violência, ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), entrevistou 224 policiais militares da capital fluminense e 30% deles admitiram já ter pensado ou tentado se matar.

CASOS NO DF

O contexto brasiliense foi pincelado pelos relatos de militares do DF durante os debates. O subtenente da PMDF, Edson Maia, por exemplo, relatou que, em 2014, dois companheiros de farda tiraram a própria vida.

FRAGILIDADE EMOCIONAL

Suicídio também embasou a dissertação, de 2013, intitulada Quero Morrer do Meu Próprio Veneno, de Tatiane Almeida, que tratou da Polícia Federal, corporação da qual é integrante. Sua tese de mestrado analisou as situações e condições de trabalho propícias para causar fragilidade psicológica em seus colegas de profissão.

“Os policiais têm mais demandas do que lhes é possível resolver”, diz o texto. “Solicitados a sempre dar e expostos à miséria humana, tendem a sentir-se frustrados […], o que suscita reações de inadequação, podendo proteger-se no alcoolismo, no cinismo, ou no gesto suicidário como tentativa de alcançar novamente o sentimento de força e adequação”, prossegue.

PREVENÇÃO

O presidente do Sinpol, Rodrigo Franco, tem opinião similar à da pesquisadora. Para ele, existe o agravante de as autoridades e comandantes não perceberem ou não quererem admitir a gravidade da situação. “Os gestores não reconhecem os casos de suicídio como  vinculados à atividade profissional. Eles tentam atribuir a problemas pessoais. Por isso que talvez não haja a prevenção”, critica.

Franco acredita que o apoio oferecido pelos centros de assistência dentro  da corporação são limitados, pois “só há atendimento quando a pessoa surta ou já tem a situação agravada. Não existe tratamento preventivo”, aponta.

O vice-presidente da Aspra, sargento Sansão, garante que a situação para os militares já foi pior. “O novo comando é mais humano e adota o diálogo. Antigamente, faltava sensibilidade. Se o policial tinha algum problema, não havia nada para se apoiar. Mandaram as psicólogas todas embora”, critica.

Segundo ele, um problema recorrente é o alcoolismo, motivado tanto pelo estresse da profissão quanto por problemas financeiros.

A coordenadora da Comissão de Estudos de Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Alexandrina Meleiro, acredita que as corporações não revelam dados sobre afastamentos e atendimentos para preservar a imagem: “Se você mostra que a polícia ou os bombeiros estão doentes, a população pode se sentir insegura. E não há   uma política que utilize os dados de   maneira produtiva”.

PROCURAR AJUDA É FUNDAMENTAL

A dificuldade para encontrar profissionais de segurança dispostos a falar sobre as próprias dificuldades ou necessidade de ajuda é uma maneira de proteção. Conforme a psiquiatra Alexandrina Meleiro, a pressão para que sejam invulneráveis, nobres, os faz ter medo de revelar  suas fragilidades.

“As pessoas pensam: ‘Não são super-heróis? Como podem ser fracos?’. E há o agravante de, se o profissional mencionar que teve depressão, pode ser colocado para escanteio no trabalho”, explica a representante da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Segundo ela, o personagem do capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura no filme Tropa de Elite, é um bom exemplo para entender a vida de policiais e militares. No treinamento dos novatos, ele insinua que quem é fraco deve “pedir para sair”. Em casa, no entanto, ele toma remédios controlados e enfrenta problemas como insônia e ansiedade. À sociedade, Nascimento é o capitão do Bope, um ícone de autoridade. Em casa, ele é imperfeito e incompreendido pela mulher.

Procuradas pela reportagem, as corporações não disponibilizaram fonte para tratar do assunto.

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