Ao longo dos últimos meses, as queixas apresentadas pelos policiais civis do DF foram, sistematicamente, ignoradas pelo Governo de Brasília e pela Direção Geral da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
Mesmo depois de duas paralisações de 24 horas, realizadas nos meses de maio e junho, o diálogo com o governo não avançou.
Insatisfeitos com o tratamento recebido, cerca de dois mil policiais civis decidiram, no fim do mês de agosto, durante Assembleia Geral Extraordinária (AGE) realizada em frente à sede do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), que a melhor estratégia para que seus pleitos fossem ouvidos seria a deflagração do movimento grevista.
Iniciada no primeiro dia de setembro, a greve só foi encerrada 22 dias depois. Sua principal reivindicação era o compromisso do governo distrital com a manutenção da isonomia que, desde a transferência da capital do país para Brasília, sempre existiu entre a PCDF e a Polícia Federal (PF).
Além disso, os policiais civis cobraram que fosse institucionalizada uma normatização para as remoções e que fossem nomeados os mais de 400 aprovados no último concurso, o que amenizaria o alto déficit de recursos humanos que a instituição enfrenta.
PRIMEIRA SEMANA
No primeiro momento, a categoria decidiu que só seriam registrados os flagrantes e as ocorrências de crimes graves, como latrocínio, homicídio, estupro e roubo com restrição de liberdade (sequestro relâmpago). O movimento teve seu início definido para começar às 8h do dia 1º de setembro.
Naquela data, houve uma assembleia em frente ao Palácio do Buriti, os policiais votaram pela continuidade do movimento paredista por tempo indeterminado. No dia 4, em outra assembleia realizada no mesmo local, a categoria decidiu pela manutenção da greve e pela paralisação também das atividades de perícias, inclusive daquelas que estavam pendentes até o início do movimento.
Durante a AGE, o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Distrito Federal (Sinpol-DF), Rodrigo Franco, o Gaúcho, destacou a necessidade de a categoria se mobilizar e permanecer unida em torno da causa.
“Essa guerra é demorada, mas é de todos. Não são 10, 12, 20 diretores que vão resolver o problema; somos todos nós. Ninguém sabe do futuro, mas ele pode ser alterado por nós. É isso o que cada um de vocês deve considerar. Essa é a hora de irmos à luta”, acrescentou Gaúcho.
Ao longo dos dias seguintes a adesão cresceu significativamente, com cada vez mais policiais se adequando às recomendações da Cartilha de Greve. A força e união ficou evidente em diversas unidades, onde os profissionais atuaram, durante todo o período, em escala de revezamento, blindando o plantão e informando à população sobre a interrupção do atendimento.
No fim da primeira semana de greve, os policiais civis voltaram a se reunir em assembleia na Praça do Buriti. Mais de dois mil filiados atenderam ao chamado do Sinpol-DF e decidiram pela continuidade da greve, mesmo com a publicação de decisão judicial considerando ilegal o movimento grevista.
A decisão judicial que indicava a ilegalidade da greve veio já na primeira semana. Mesmo assim, os policiais civis, em assembleia na Praça do Buriti, com mais de dois mil filiados, decidiram pela continuidade do movimento e pela realização de mobilizações da categoria acompanhando a agenda do governador Rodrigo Rollemberg, chamando a atenção para a necessidade de o governador receber os dirigentes do sindicato em audiência.
Três dias depois, durante o desfile de 7 de Setembro, os policiais se concentraram em frente ao Museu Nacional da República e saíram em passeata pela Esplanada dos Ministérios. O grupo entoou gritos de ordem exigindo que o governador enviasse à presidente Dilma Rousseff uma mensagem assinada na qual se compromete em manter a isonomia entre a PCDF e a PF.
SEGUNDA SEMANA
No dia 8, a diretoria do Sinpol-DF voltou a se reunir com o secretário de Relações Institucionais do GDF, Marcos Dantas, e o diretor-geral da PCDF, Eric Seba. Apesar de ter afirmado que o governador manteria a isonomia, Marcos Dantas rechaçou a possibilidade de o GDF formalizar, por escrito, essa garantia.
Em resposta, a categoria decidiu, em nova AGE realizada poucas horas depois, pela interrupção de mais serviços, entre eles, o recolhimento corpos por morte natural em residências. O serviço de emissão e entrega de carteiras de identidade também foi interrompido por completo.
No Instituto Médico Legal (IML), a partir de então, passaram a serem emitidos somente laudos cadavéricos. E as fianças arbitradas pela Justiça deixaram de ser recolhidas pelos escrivães nas delegacias. Já as ordens de Missão (OM) que não correspondiam aos crimes mais graves passaram a ser devolvidas ou recusadas.
Já na tarde da quinta-feira, 10, cerca de 500 policiais fizeram uma manifestação em frente ao Complexo da Polícia Civil para marcar o décimo dia de greve. O ato serviu para registrar a mobilização da categoria, confirmando a força do movimento.
No dia seguinte, nova AGE foi realizada, dessa vez, com a presença de cerca de três mil policiais civis. Entre os principais motivos para grande participação foi o recebimento oficial, na noite anterior, da notificação declarando a greve ilegal. A entrega aconteceu depois que a Direção Geral PCDF designou um delegado para levar o oficial de justiça até um dos diretores do Sinpol-DF.
Durante a assembleia, Gaúcho registrou a insatisfação do sindicato com a forma como a notificação aconteceu e informou que a entidade iria recorrer da medida judicial. Ao fim, a categoria voltou a decidir pela continuidade da greve e, além das restrições já estabelecidas, votou por suspender, a partir de então, as escutas telefônicas.
TERCEIRA SEMANA
Ao completar 15 dias de greve, uma nova assembleia foi realizada, dessa vez no Complexo PCDF – como ato de desagravo. Em mais uma intensificação do movimento paredista, a categoria decidiu que as viaturas descaracterizadas que apresentarem defeitos ou problemas – extintor fora da validade e pneus carecas, por exemplo – seriam devolvidas à Divisão de Transportes da PCDF.
Alguns dias depois, o Sinpol-DF reuniu um grupo de voluntários para doar sangue na Fundação Hemocentro, em Brasília. Cerca de 100 policiais civis decidiram exercer, de forma literal, o dever de dar o sangue pela sociedade. Os participantes vislumbraram na metáfora a oportunidade de manifestar-se politicamente exercendo, também, a solidariedade.
De volta à Praça do Buriti, a nova AGE, realizada na sexta, 18, deliberou pela manutenção do movimento de greve e sua radicalização por 72 horas a partir das 8h da segunda-feira seguinte, 21.
Ficou determinado que nesse período, entre outras restrições, não seriam realizados quaisquer procedimentos, mesmo os de flagrante, exceto em crimes de homicídio, latrocínio, casos referentes à Lei Maria da Penha, estupro e roubo com restrição de liberdade.
As decisões foram uma resposta à nova demonstração de inércia do governador Rodrigo Rollemberg, que, depois de reunião com a diretoria do Sinpol-DF, na tarde do dia 17, sugeriu apenas a criação de um Grupo de Trabalho para debater as reivindicações.
QUARTA SEMANA
Na terça, 22, no entanto, a categoria decidiu interromper o movimento como forma de fortalecer o trabalho de articulação política junto à Câmara Legislativa, ao Congresso Nacional e aos governos distrital e federal.
A decisão foi aprovada pela maioria dos policiais civis que compareceram à assembleia realizada no Parque da Cidade. O objetivo foi possibilitar a retomada das negociações pela aprovação de pleitos e reivindicações dos policiais, como do Projeto do Nível Superior, em tramitação no Senado.
A diretoria do sindicato retomou esse trabalho já nesta quarta-feira, 23, quando esteve, ao longo do dia em reuniões com senadores para garantir apoio ao Projeto de Lei da Câmara (PLC) 91/2015.
BALANÇO
Ao fazer um balanço desses 22 dias, o presidente do Sinpol-DF destacou o maior legado da greve: o resgate da união, da autoestima e do espírito de luta dos policiais civis – aspectos essenciais para que qualquer movimento seja vitorioso.
“Deixamos claro para o governo, para a mídia e para a sociedade que a polícia está unida e forte no seu propósito”, avalia Gaúcho. “Nosso movimento forçou o governador a nos receber e abriu as portas da Câmara Legislativa, além de inserir a Direção-Geral da PCDF nas negociações, o que não ocorria antes”, acrescenta.
O estreitamento das relações com os deputados distritais ficou evidente com as suas manifestações durante as assembleias, em reuniões com o governo e na própria Câmara Legislativa do DF (CLDF), quando diversos parlamentares demonstraram apoio à categoria.
Entre os nomes que mais se aproximaram da categoria estão Celina Leão (PDT); Wasny de Roure e Cláudio Abrantes (PT); Professor Israel (PV); Agaciel Maia (PTC); Lilliane Roriz (PRTB); Luzia de Paula (PEN); Telma Rufino (PPL); Bispo Renato Andrade (PR); Julio Cesar (PRB); Reginaldo Veras (PDT) e Wellington Luiz (PMDB).
Agora, os policiais civis, junto ao Sinpol-DF, vão concluir a proposta de uma Operação Legalidade. O documento está sendo trabalhado para uma aplicação de maneira permanente, a fim de se tornar uma cultura dentro PCDF. “Temos que estar unidos ainda mais daqui para frente. A grande vitória depende da nossa união”, conclui Gaúcho.
JUNTOS SOMOS FORTES!