Do Metrópoles
O GDF terá até 180 dias para se adequar à recente decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que proíbe o pagamento de pensões e aposentadorias de servidores da Saúde e da Educação com recursos do Fundo Constitucional do DF (FCDF). A decisão consta no acórdão divulgado na terça-feira (20/08/2019), o qual também reforça que, nos próximos 30 dias, de forma cautelar, o Palácio do Buriti se abstenha de pagar quaisquer novos benefícios previdenciários “concedidos a servidores da Educação e da Saúde, por serem de responsabilidade exclusiva do Tesouro do Distrito Federal”.
Representantes da Corte de Contas e até mesmo integrantes do Executivo local demonstraram insegurança sobre o teor da determinação. A suspensão do pagamento foi deliberada na semana passada, em processo que analisa a prestação de contas do fundo, e foi de relatoria do ministro Walton Alencar Rodrigues. Por não ter segurança sobre o imediatismo da deliberação, o GDF anunciou que buscará liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a medida.
O acórdão informa que o GDF precisa apresentar, em seis meses, plano de ação destinado a sanear a situação irregular de pagamento, com recursos do FCDF, de atos de pensão e aposentadoria, instituídos em favor de servidores das áreas de Saúde e Educação do Distrito Federal. Conforme consta, o ato está em “em desacordo” com a parte da Constituição Federal, que prevê ao Fundo Constitucional apenas a manutenção da segurança pública do DF, “além de prestar assistência financeira para execução de serviços públicos de saúde e educação”. Pelo entendimento do relator, portanto, pensões e aposentadorias não podem ser enquadradas como “execução de serviços” nessas áreas.
Com a sentença, os responsáveis pelas ações precisam utilizar o prazo previsto “para implementação das medidas saneadoras”, “sob pena de multa aos gestores e irregularidade das contas do Fundo Constitucional”. Na mesma decisão, o TCU determina ao Ministério da Economia que “leve em linha de consideração a presente deliberação para aferir os dados reais referentes ao FCDF e corrigi-los, no sentido de adequá-los ao regime de legalidade administrativa de forma tempestiva e conjunta com os órgãos distritais, para a correção da irregularidade”.
“Déficit de R$ 700 milhões”
Recentemente, o governador Ibaneis Rocha (MDB) declarou que o pagamento das aposentadorias e pensões de servidores das áreas de saúde e educação está ameaçado. O emedebista disse que, se não conseguir reverter decisão do TCU proibindo o uso de recursos do Fundo Constitucional para bancar essas despesas, não há verba suficiente nos cofres do GDF.
“Já temos um déficit de R$ 700 milhões. Não temos de onde tirar mais dinheiro. Não há plano B”, afirmou o emedebista. De acordo com ele, o momento é de união entre servidores, sindicatos, governo e a sociedade para tentar reverter a decisão no próprio TCU ou no STF.
Guardião da chave dos cofres públicos locais, o secretário de Fazenda, Planejamento, Orçamento e Gestão, André Clemente, também passou a descartar qualquer tipo de projetos não programados e até mesmo recomposição dos contracheques de servidores, como o esperado reajuste.
“A recente decisão do TCU nos impede até mesmo de avançar nas possibilidades de benefícios para as categorias, uma vez que qualquer tipo de aumento de despesa está suspenso até que essa medida de efeitos nefastos que recebemos seja revertida. Não há de se falar em reajuste ou mesmo promoção com o atual cenário”, declarou à reportagem.
Impactos
Estudo feito pelo Governo do Distrito Federal, divulgado em primeira mão pelo Metrópoles, mostrou os impactos imediatos da decisão do TCU. O rombo pode ultrapassar os R$ 2,5 bilhões.
Elaborado pela Subsecretaria do Tesouro da Secretaria de Fazenda, Orçamento, Planejamento e Gestão, o documento revela a preocupação dos gestores com os cenários criados pela nova realidade imposta para pagamento de servidores aposentados e pensionistas. Na prática, segundo a pasta, o impedimento de se pagar aposentadorias com recursos do FCDF implicaria o não cumprimento dos mínimos constitucionais exigidos de aplicação em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) e em ações e serviços públicos de saúde.
“Isso porque as despesas realizadas com inativos e pensionistas não podem ser computadas para fins de cumprimento dos mínimos de aplicação em MDE e em ações e serviços públicos de saúde, independentemente dos recursos serem do FCDF ou próprios do DF. Além disso, as despesas com servidores ativos, quando são custeadas com recursos do FCDF, também não podem ser computadas para fins de cumprimento dos mínimos de aplicação em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e em ações e serviços públicos de saúde”, registra trecho da nota.
Em 2017 e 2018, o pagamento de inativos com recursos do FCDF em Saúde e Educação somou R$ 2,1 bilhões e R$ 2,2 bilhões, respectivamente. Com base nos cálculos de anos anteriores, para o cumprimento dos mínimos constitucionais nas duas áreas, o Distrito Federal investiu, nos respectivos anos, montantes superiores aos mínimos em 1,1 bilhão e 1 bilhão. Para atingir os mínimos previstos para o DF, seria necessário empenhar cerca até R$ 1,173 bilhão a mais dos recursos diretos.
“A título de comprovação da incapacidade do Distrito Federal em suportar o incremento nos gastos para cumprimento dos mínimos constitucionais, citamos a atual classificação ‘C’ de capacidade de pagamento do Distrito Federal, junto à Secretaria do Tesouro Nacional e a disponibilidade deficitária de caixa”, reforça a equipe técnica da Secretaria de Fazenda, Orçamento, Planejamento e Gestão.
De acordo com o mesmo documento, a disponibilidade bruta total do GDF, incluindo recursos vinculados e não vinculados, é de R$ 1.683.603,00. Contudo, após descontos de restos a pagar e obrigações financeiras – que ultrapassam R$ 2 bilhões – os cofres locais ficam deficitários em R$ 946.276,00.
Além do impacto financeiro, a equipe econômica do governo de Ibaneis Rocha acende a luz amarela também pelo fato de o movimento ter “forte impacto” na apuração do índice de pagamento de pessoal no DF, o que também ameaça o equilíbrio das contas públicas no que diz respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Antes da decisão do TCU, a Despesa Líquida de Pessoal, em 2018, foi de R$ 9.435.402.642,46. Tendo como base a Receita Corrente Líquida – somatório das receitas tributárias do governo – daquele ano, que foi de R$ 21.708.967.909,42, o valor com gasto com contracheques chegou aos 43,46%. Com a nova realidade, esse mesmo percentual ficaria em 48,86%, usando como parâmetro os dados daquele ano.
Desde que foi sancionada, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece limites para a despesa com pessoal nos governos federal, estaduais, do DF e dos municípios. O limite prudencial começa em 46,55%; e o teto é quando se chega aos 49%. Até agora, a situação da atual gestão é melhor do que se comparada a exercícios anteriores.
Com os cenários previstos com a determinação do TCU e os cálculos baseados nos últimos anos, o limite máximo se aproximaria dos 50%, o que poderia implicar em sanções administrativas e jurídicas contra gestores. Há a previsão até de cassação do mandato como penalidade máxima, em casos mais extremos.
A LRF entende como despesa total com pessoal o somatório dos gastos do ente da Federação com ativos, inativos e pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de Previdência.
“O cumprimento de eventual decisão que impossibilidade o pagamento de inativos da Saúde e da Educação com recursos do FCDF acarretará o não cumprimento dos mínimos constitucionais nessas áreas. Por outro lado, o atingimento desses mínimos constitucionais se torna inviável, pois exigiria aumento de gastos neste momento de fragilidade financeira e elevaria sobremaneira o índice de gastos com pessoal”, conclui o relatório da Secretaria de Fazenda, Orçamento, Planejamento e Gestão.
O que diz o TCU
Em nota enviada à reportagem, o Tribunal de Contas da União informou que “trata com seriedade, transparência e observância à legislação todos os processos que julga. Exerce com zelo o papel de guardião dos recursos públicos, que lhe é atribuído pela Constituição Federal, e tem convicção de que cumpre o seu dever”.
“Merda”
A suspensão do pagamento foi determinada na noite da última quarta-feira (14/08/2019), em processo que analisa prestação de contas do fundo, sob relatoria do ministro Walton Alencar Rodrigues. A decisão do TCU é cautelar (provisória). No dia seguinte, o governador do DF reagiu com veemência às restrições impostas pela Corte.
“Vamos recorrer no Supremo, porque essa decisão precisa ser revertida. Os ministros do TCU precisam entender que a cidade não pode ficar sem esses recursos. Este tribunal não serve para merda nenhuma”, frisou Ibaneis, durante solenidade de lançamento do Portal da Regularização, no Salão Nobre do Palácio do Buriti.
A bancada do Distrito Federal no Congresso Nacional também reagiu à medida e repudiou a decisão do TCU. “Os deputados e as deputadas entendem que a atual gestão do Governo do Distrito Federal tem se esforçado para cumprir os compromissos com os servidores públicos das áreas de Saúde, Educação e Segurança. No entanto, diante das dificuldades impostas pelo sistema burocrático, ineficiente e distante da real situação governamental, o GDF estará impossibilitado de agir com a liberdade necessária para executar sua obrigação legal de gerir da melhor forma os recursos oriundos do Fundo Constitucional”, diz trecho de nota pública.
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