Do O Globo
RIO — Citada por especialistas e governantes como item fundamental na agenda de segurança , as ações na área de inteligência não recebem atenção prioritária na hora da execução dos gastos públicos. Levantamento feito pelo GLOBO revela que, de cada R$ 100 destinados pelos estados e o Distrito Federal para a segurança em 2017, apenas R$ 0,54 foram investidos em inteligência.
O pacote legislativo anticrime proposto pelo ministro da Segurança Pública e Justiça, Sergio Moro, tem ações para facilitar investigações, mas não se debruça sobre esse baixo índice de gastos em inteligência.
Na comparação com 2014, apesar do aumento geral das despesas na área (de R$ 55,7 bilhões para R$ 68,5 bilhões), o setor de inteligência perdeu espaço, com queda de 42% (R$ 643,4 milhões para R$ 369,5 milhões). A maior parte do incremento orçamentário foi consumida com os gastos relacionados à Previdência, pagamento de salários e custeio.
Não há um parâmetro estabelecido por estudiosos da área como um percentual ideal, mas, nos últimos cinco anos (2014 a 2018), o governo federal investiu em inteligência, em média, cerca de 9% de tudo que foi gasto com segurança. O valor foi impulsionado por grandes eventos, como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos.
Os dados referentes aos estados e ao DF foram compilados com base nas informações entregues ao Tesouro Nacional — 2017 é o ano mais recente disponível. Foram consideradas as despesas alocadas no tópico “informação e inteligência”, que compõe o setor do orçamento dedicado à segurança.
Em 2014, o investimento em inteligência representou 1,1% do orçamento da segurança nos estados, índice que caiu para 0,54% três anos depois. No mesmo intervalo de tempo, os homicídios passaram de 59,7 mil para 63,8 mil. Especialistas destacam que, no período recente em que o país viveu um processo de crescimento econômico, o aumento geral de gastos públicos também se refletiu na segurança, mas em grande parte dos casos foi traduzido em contratação de efetivo e aumentos salariais.
Investimentos estruturais a longo prazo não foram feitos de maneira sistemática, o que pode ser observado na crescente expansão dos índices de determinados crimes.
— O Brasil ainda está preso num velho modelo de segurança, baseado na ideia de que precisa apenas aumentar efetivo e o número de presos. O que produz resultado é trabalhar com mais inteligência e integração entre as polícias, para conseguir realmente enfraquecer as grandes facções do crime organizado, atuando contra a lavagem de dinheiro e isolando as lideranças — afirma o diretor-executivo do Instituto Cidade Segura, Alberto Kopittke.
Há um padrão de classificação orçamentária, mas a destinação dos recursos em cada item é atribuição dos executivos estaduais, então pode haver diferenças de método entre os estados — há nove unidades da federação que não acrescentaram nenhum gasto ao item de “informação e inteligência”. O mais comum é que sejam enquadrados nesta rubrica gastos com tecnologia, como sistemas de escuta e de atendimento (190), diárias, perícias, exames de DNA e acompanhamentos de inquéritos, entre outros.
— Os recursos para a inteligência estão muito baixos porque os estados aumentaram os gastos com pessoal no período de expansão econômica, e a situação fiscal virou uma bomba-relógio. Na hora de cortar, a primeira redução é feita nos investimentos, o que atinge direto o setor de inteligência — avalia o sociólogo Arthur Trindade, professor da UNB e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os gastos na área de inteligência do governo federal, apesar da média recente de 9%, vêm caindo com os anos e passaram a representar 2,3% do total despendido em segurança em 2017. Um exemplo de ação efetiva com o uso de informações aconteceu em 2017, quando a Polícia Federal prendeu o traficante Luiz Carlos da Rocha, conhecido como “Cabeça Branca”, após uma investigação que levou mais de um ano e que incluiu a infiltração de agentes e um processo de análise de reconhecimento facial, já que o alvo havia feito cirurgias plásticas.
Os números absolutos de cada estado também expõem a falta de atenção ao setor de inteligência. No Rio, em 2017, apenas R$ 2.469,50 foram gastos na área. O governo estadual afirmou que pretende fazer investimentos “abrangentes” em inteligência, como a compra de equipamentos de tecnologia, usando inclusive recursos recuperados pelo estado em função de decisões judiciais de processos da Lava-Jato.
Compra de utensílios
Em São Paulo, o valor foi bem mais expressivo — R$ 182 milhões —, mas a análise detalhada dos gastos, com base no Portal da Transparência do estado, mostra que nem todo o montante alocado ali corresponde de fato a ações de inteligência. Além de gastos naturais à atividade, como o pagamento de diárias, equipamentos de telecomunicação e material de laboratório, estão listados artigos de higiene pessoal, material para refeitório, copa e cozinha e material de limpeza.
Os gastos efetivados pelo Paraná representam parte expressiva do total dos recursos estaduais de 2017. O estado contraiu um empréstimo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para implementar o programa “Paraná Seguro”, que prevê investimentos em inteligência, especialmente em ações na tríplice fronteira.
No plano internacional, Trindade, que é ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, cita como um bom exemplo a Inglaterra, em que o governo central tem departamentos que auxiliam os municípios a calcular a necessidade de efetivo policial em cada área.
Pacote de Moro prevê ações de inteligência
O pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, engloba medidas para a área da inteligência.
Uma delas é a ampliação do banco de material genético, para facilitar a investigação de futuros crimes com base na comparação do DNA com o material armazenado no acervo.
Outra proposta prevê a criação de um Banco Nacional de Perfis Balísticos, também com o objetivo de auxiliar investigações.
Além disso, Moro quer criar um cadastro de impressões digitais de presos