Maria Doraci Silva, perita papiloscopista da PCDF (Fotos: Kleber Lima/Jornal de Brasília)

Do Jornal de Brasília

Quando um crime de estupro acontece, os retratos falados são peça fundamental nas investigações da Polícia Civil. No Distrito Federal, os papiloscopistas do Instituto de Identificação são responsáveis por criar as imagens e enviá-las às delegacias, onde é feita a apuração dos casos. O trabalho é possível com auxílio de programas de computador sofisticados e um banco de imagens volumoso, mas depende de descrições simples e da capacidade do profissional de transformá-las em imagem útil.

Para as vítimas que sofreram violência sexual, o mais comum é se lembrar melhor dos olhos, do formato do rosto, da textura das mãos e do cheiro. Para delegados e papiloscopistas policiais, as chamadas “características distintivas” são essenciais para resolver os casos — olhos claros, um nariz protuberante ou uma cicatriz, por exemplo.

O retrato falado fica pronto em cerca de duas horas e é enviado à delegacia que o solicitou, acompanhado de um laudo. Depois disso, o delegado decide o que fazer com a imagem. A PCDF não tem dados que demonstrem a efetividade do recurso na resolução de crimes, mas divulgou, em nota, que ele “tem sido uma ferramenta extraordinária na identificação de criminosos”.

Na capital, um retrato falado ajudou a solucionar um caso de estupro em março. Uma amiga da vítima tinha a foto salva no celular e comunicou a polícia que havia visto o homem na rua. Outra vítima, em Santo Antônio do Descoberto (GO), comemora a elucidação do episódio em que foi violentada, dois anos após o fato. “Fiquei surpresa e muito feliz”, compartilha, sem se identificar. O suspeito foi encontrado e preso.

Reviver a história

O Instituto de Identificação da PCDF tem uma seção específica para elaborar retratos falados. A papiloscopista policial e chefe do laboratório de representação facial humana, Maria Doraci da Silva, explica que as imagens reduzem o universo de suspeitos de um crime. “Quando a vítima chega aqui, começamos nosso trabalho com uma entrevista. Ela relata o fato e descreve o autor. Avaliamos as informações, sanamos dúvidas e fazemos com que a pessoa reviva o que aconteceu, para que se lembre melhor de detalhes”, conta.

“O resultado depende do poder de observação da pessoa e da experiência do papiloscopista, para entender o que ela está falando. O retrato falado não tem de ser idêntico à imagem real, mas deve representar características marcantes de um indivíduo”, explica.

Quando o profissional é iniciante, a composição pode virar uma caricatura. “Temos que ter sensibilidade e entender o contexto. Um queixo enorme pode ser descrito assim porque a vítima foi subjugada e viu o autor de baixo para cima”, ilustra.

Feita a entrevista, começa a construção do retrato falado. A vítima escolhe os olhos, boca, nariz e estilo de cabelo. Pode adicionar detalhes como manchas, acne, anomalias na face, tatuagens, bonés ou capacete. Quando o caso é de violência sexual, o laboratório garante que a papiloscopista seja mulher “para evitar constrangimentos e mal-estar”, destaca Maria Doraci da Silva.

“Não pedimos detalhes sobre a história. A pessoa geralmente está muito abalada, já que o caso é recente. A mulher chega fragilizada, poucos dias depois do acontecido. Muitas choram e ficam nervosas quando veem que o retrato está parecido com o rosto do criminoso”, acrescenta.

O papel do papiloscopista é tentar acalmar a pessoa e perguntar se ela quer continuar o procedimento. “Algumas voltam dias depois, mais calmas”, exemplifica a chefe do laboratório.

Crimes de estupro

Uma vítima de estupro que optou por não se identificar comemora a resolução do caso, dois anos após ser violentada. Em janeiro, a mulher foi intimada a reconhecer o suspeito. “Fiquei surpresa. Já tinha passado muito tempo, sem nenhuma pista, mas soube que era ele na hora. Me lembrava com clareza dos lábios grossos, do cabelo crespo, cortado bem curtinho”, lembra. “O retrato falado não ficou 100%, mas ficou bem parecido. Acho que contribuiu de alguma forma”, opina. O suspeito cometeu outros crimes na região de Santo Antônio do Descoberto (GO), e ela foi intimada a reconhecê-lo porque o modo de agir foi considerado semelhante ao de delitos cometidos após o estupro.

A chefe do laboratório do Instituto de Identificação, Maria Doraci da Silva, cita outro exemplo de estupro ocorrido no Núcleo Bandeirante. Neste, o retrato falado foi crucial. “A vítima conseguiu descrever muito bem os detalhes da face”, cita, ao comparar a imagem com uma foto recente do homem.

O delegado da 11ª Delegacia de Polícia (Núcleo Bandeirante), Robson Cândido, conta que uma amiga da vítima informou a polícia sobre o paradeiro do criminoso. Ele considera o recurso útil: “Há casos em que as vítimas são tão detalhistas que a imagem parece uma foto. Mas isso depende, em 90% das vezes, da memória de quem descreve”.

Efetividade desconhecida

“A amiga da vítima tinha o retrato falado em mãos e viu alguém que se parecia muito com ele andando pela rua, meses depois do ocorrido. Um fato contundente eram os olhos do homem, bem verdes, e ele ser moreno. É algo incomum de se ver por aí”, narra o delegado. A mulher foi à 11ª DP e indicou o local onde o homem estaria. O suspeito confessou o crime e está preso desde março, mas ainda não foi julgado.

Inválido como prova de crime

Na delegacia, o retrato falado é apresentado ao maior número de testemunhas possível. Vítimas de casos passados, ainda pendentes, também são intimadas a fazer reconhecimento. “Muitas (vítimas) não fazem o retrato por nervosismo ou porque viram de relance. A imagem faz reviver o fato”, acredita Robson Cândido. Nos casos de estupro, um dos detalhes mais apontados é o cheiro. “Quando se trata de um morador de rua, é bastante enfatizado”, frisa.

No entanto, os retratos falados não valem como provas de crimes. “Provas estão só em processos. E neles há uma série de elementos. Um deles pode ser o laudo de imagem”, afirma, “ou o material genético, mais confiável ainda”. A chefe do laboratório de representação facial humana, Maria Doraci da Silva, concorda que a ferramenta é um meio para buscar a autoria de crimes, mas não é determinante.

O método carece de instrumentos que comprovem sua efetividade. “Pedimos às delegacias que nos enviem feedbacks de casos elucidados, mas nem todas dão”, lamenta.

Saiba Mais

A história do retrato falado começa em 1881, na Inglaterra, com Percy Lefroy Mapleton. Ele testemunhou a morte de duas pessoas em um trem no trajeto Londres-Bringhton e desenhou o autor do assassinato. A gravura ficou famosa e foi usada na investigação policial. Mas quem leva o título de pai da identificação humana é o oficial da polícia francesa Alphonse Bertillon. Em 1870, ele fundou o primeiro laboratório de identificação criminal, baseada nas medidas do corpo humano. O método foi utilizado pela polícia até 1970, quando catálogos de desenho e de fotografias ganharam espaço. Para realizar retratos falados, a Polícia Civil do Distrito Federal utiliza um programa de edição de imagens desde 1997.

 

Filiação