A criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública foi anunciada em 17 de fevereiro pelo presidente Michel Temer e transformada em uma medida provisória (MP) publicada em 26 de fevereiro. Inserida nas ações de segurança que levaram à intervenção federal no Rio de Janeiro, a instituição de um novo ministério visava estruturar o trabalho das políticas e articular projetos com os estados, mas pouca coisa de concreto aconteceu desde então, e a formalização da pasta ainda aguarda aval do Congresso Nacional.
Os atos do gabinete do ministro da nova pasta, Raul Jungmann, desde a publicação da MP até agora trazem principalmente atos administrativos (como a delegação de competências para autoridades) e o envio ou prorrogação da atividade da Força Nacional de Segurança Pública para apoiar eventos ou operações especiais em presídios, atividade que já era feita pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública por meio da publicação de Portarias.
Entre as esparsas publicações no “Diário Oficial da União” relacionadas ao novo ministério, em 19 de abril constava a entrega da medalha Rio Branco (honraria concedida pelo presidente da República) ao secretário-executivo do Ministério, Luís Carlos Cazetta.
A MP 821, que cria o novo ministério, tem validade até final de junho. Na explicação do governo federal ao enviar a medida provisória, é alegada urgência para o tema, dentro do “conjunto de providências de caráter estratégico” dado o “agravamento da situação da segurança pública no Brasil”. A nova pasta não traria custos extras para o governo, aproveitando 19 cargos já existentes no Ministério da Justiça, de livre provimento (sem necessidade de concurso público).
“É um bom exemplo de que uma mera canetada ou a simples criação de um novo ministério não é capaz de transformar a realidade”, afirmou o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Cristiano Avila Maronna.“Passados alguns meses da criação do ministério nada mudou, porque não houve alteração estrutural. As transformações foram retóricas e cosméticas”, disse o especialista.
Na prática, os trabalhos da comissão no Congresso que avaliará a MP de criação do novo ministério começaram apenas na segunda quinzena de abril, com a aprovação do plano de trabalho. Apesar de o relator da MP, senador Dário Berger (MDB-SC), afirmar que não pretende fazer mudanças no texto original da MP, serão realizadas duas audiências públicas.
Foram chamados os ministros Raul Jungmann e Torquato Jardim, da Justiça, além de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-ministro da Justiça, além de Claudio Lamachia, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e do ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Os diretores gerais do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), da Força Nacional de Segurança e das polícias Federal e Rodoviária, órgãos vinculados ao novo ministério, foram convidados para outra audiência.
“Continuamos sendo campeões mundiais de mortes violentas, da letalidade policial e do óbito policial, e as drogas continuam circulando livremente. Continuamos prendendo pobres e miseráveis. Do ponto de vista prático, não aconteceu nada com a criação do ministério, a não ser Raul Jungmann ter ganhado um ministério de presente”, afirmou Maronna.
Desde a publicação da MP, o novo ministério publicou portarias prorrogando o emprego de efetivo da Força Nacional de Segurança Pública no Pará (para acompanhar os trabalhos no canteiro da Usina Hidrelétrica São Manuel); para o evento Fórum Mundial da Água (que ocorreu em Brasília durante uma semana em abril); para reforçar a segurança pública em ações no Amazonas, Ceará, Rio Grande do Norte e Roraima.
No mesmo período, publicações do alto comando do ministério determinaram a prorrogação de prazo para os estados solicitarem recursos do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), e delegou atividades administrativas e de gestão para os órgãos ligados à nova pasta.
O Ministério Extraordinário da Segurança Pública foi procurado para apresentar balanço de ações realizadas desde sua criação, mas informou que não poderia responder no prazo proposto.
“O que vemos é que o ministério não foi devidamente estruturado. Infelizmente foi criado e ainda está usando a estrutura do Ministério da Justiça, o que dificulta o andamento de projetos”, disse Flávio Werneck, presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal (Sindipol).
Werneck elogia Jungmann, mas avalia que falta estrutura para que algo efetivo ocorra. “Acho difícil essa situação do ministro Raul Jungmann, que conhece a área, participou de mais de 20 audiências, mas tem uma estrutura não adequada até agora e a gente não observa vontade política para mudar. Ele sabe das propostas, o que funciona, mas não vejo vontade política do governo e nem estruturação para que ele coloque esses projetos para encaminhar até dezembro”, afirmou o especialista.
O gabinete do ministro da Segurança Pública e do secretário-executivo funcionam dentro do Ministério da Justiça. As demais estruturas continuam em suas instalações próprias, que não são no prédio na Esplanada dos Ministérios em Brasília. Os departamentos de administração dos dois ministérios, como Recursos Humanos e Planejamento e Orçamento, são compartilhados.
Congresso tenta usar MP para aumentar salários e unificar as polícias
No Congresso, a MP recebeu 138 emendas parlamentares. Entre as sugestões, estão dispositivos para atender a pedidos corporativos, como aumentos de salários para os policiais e mudanças nas estruturas desses órgãos. Em declarações à imprensa, o relator da MP afirmou que não pretende atender a pedidos do tipo.
Esse é o caso de emendas que pedem alterações no regime de aposentadoria e pensão dos policiais. Há ainda emendas que tentam equiparar os policiais e bombeiros do Distrito Federal aos Policiais Federais.
Também há sugestões para o endurecimento de penas e da atuação policial, como incluir no rol de competências do Ministério a supervisão da instalação de bloqueadores de celulares nas penitenciárias e coordenar o “cadastro nacional de pedófilos e de estupradores”.
Há sugestões para a criação de novos órgãos e estruturas, como o “Conselho Nacional de Integração de Políticas de Segurança Pública”, do Departamento Nacional de Polícia Judiciária”, do “Departamento Nacional de Polícia Ostensiva e de Preservação da Ordem Pública”, ou de se aumentar a competência dos órgãos já existentes, como incluir a segurança dos portos (criando Guardas Portuárias) ou definindo a inclusão da Polícia Ferroviária Federal.
Outras emendas tentam aproveitar a MP para igualar os Agentes Penitenciários aos policiais federais, o que permite à categoria ter progressões salariais e benefícios similares. Já há propostas de alteração na lei no Congresso que pedem tal mudança, mas tramitam com morosidade.