Quatro possibilidades de investigação devem levar a Polícia Civil a desvendar a morte do ciclista Arlon Fernando da Silva, 29 anos. As principais frentes de trabalho estão concentradas em suspeitos identificados. Duas delas envolvem adolescentes. Embora policiais tenham liberado um garoto de 14 anos indicado como possível participante do latrocínio (roubo com morte), ele continua sendo monitorado. Em depoimento, o suspeito indicou um comparsa, que também entrou no radar dos investigadores. A bicicleta segue desaparecida.
Um terceiro acusado é um homem que, na noite do crime, na quinta-feira, deu entrada no Hospital de Base do DF com um ferimento na mão. A perfuração era semelhante a um corte de faca. O paciente disse que teria sido vítima de um assalto, mas policiais passaram a acompanhá-lo em razão da coincidência. Segundo o diretor-geral da Polícia Civil, Eric Seba, durante uma luta corporal entre bandido e vítima, o criminoso também pode sair machucado. “Às vezes, ao segurar uma faca, a mão escorrega, e ele se corta. Essa é uma possibilidade”, explicou.
A quarta linha de investigação levou a um morador do Paranoá, após denúncia anônima. Ele teria envolvimento com outros roubos. A Polícia Civil acredita que a bicicleta tenha sido trocada por droga ou por outra bicicleta, uma vez que essa é uma prática comum entre os suspeitos com passagens por esse tipo de crime.
Apesar de ninguém ter sido preso, o caso é tratado com prioridade por equipes da 5ª Delegacia de Polícia (Área Central), responsáveis pelo caso, mas investigadores de outras unidades também dão apoio. “Estamos trabalhando desde quinta-feira à noite sem descanso para dar a resposta à sociedade o mais rápido possível”, destacou o delegado-chefe da 5ª DP, Rogério Rezende.
O doutorando da UnB Arlon foi enterrado na tarde de domingo no Cemitério Municipal de Rio Branco do Sul, a 30km de Curitiba. Cerca de 200 pessoas estiveram no velório e no sepultamento do aluno de pós-graduação do Instituto de Física (leia Entenda o caso). “O enterro ocorreu ontem mesmo aqui no cemitério da cidade. Fazia tempo que não o via, mas sempre foi muito estudioso e esforçado”, contou Andreo, irmão da vítima.
Ontem, equipes da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) podaram algumas árvores no trecho da ciclovia onde ocorreu o crime, na tentativa de melhorar a segurança no local, principalmente à noite, hora em que ocorreu o latrocínio.
O adolescente de 14 anos foi levado para a 24ª Delegacia de Polícia (Setor O) depois que a avó procurou a polícia. Lá, ele confessou informalmente ter matado Arlon. Ao ser levado para a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), no entanto, mudou a versão pelo menos 10 vezes.
Segundo o diretor-geral da Polícia Civil, Eric Seba, investigadores pediram que o adolescente descrevesse o local do crime e os detalhes da bike usada pela vítima, mas ele só contou as características divulgadas por foto pela Polícia Civil. “Ele não conseguia descrever os detalhes daquela que a vítima estava usando, porque algumas coisas estavam diferentes, como o guidão”, esclareceu Seba. Em razão de não terem encontrado indícios suficientes para ligar o jovem ao latrocínio, ele foi liberado, mas continua sendo observado.
O consultor em segurança pública George Felipe de Lima Dantas acredita que o crime pode ter vínculo com um usuário de droga. “Os dependentes químicos, especificamente os de crack, têm uma urgência absoluta de se saciarem. Quando essa obsessão se instala, eles desenvolvem comportamentos sem nenhum freio”, detalhou. Ele destacou que, em casos de latrocínio, os autores podem estar desorientados. No crime da última quinta-feira, por exemplo, o celular ficou com a vítima. “O intuito é promover a realização de um bem qualquer subtraído pelo uso da força”, concluiu.
Quatro perguntas para Eric Seba, diretor-geral da Polícia Civil
De que forma a polícia, o Estado ou o governo poderiam evitar um crime como o que ocorreu na região central?
Atribuir à estrutura de segurança alguma responsabilidade é complicado. É óbvio que a gente tem alguma responsabilidade. Mas é humanamente impossível estarmos 100% em todos os lugares. Não temos condições. Às vezes, na hora em que aquele latrocínio estava sendo cometido na S1 tinha uma viatura na N1. Do outro lado, a 100m, a 200m, poderia ter uma viatura passando.
O que poderia ser feito para evitar uma tragédia como essa?
Não é só a presença da polícia. Precisa ter todo um contexto. Vamos trabalhar sempre para evitar o crime, mas impedi-lo a gente não consegue nunca. Só vamos conseguir chegar a um nível de civilidade da nossa sociedade investindo em educação e dando outras perspectivas. Dizer: ‘Olha, essa bicicleta não é sua, e você não pode subtrair’. E aí vai passar pela questão da família, da igreja, econômica, social. E a educacional é a principal. É valorizar a estrutura de educação para que tenhamos verdadeiros cidadãos.
Depois de 24 horas do latrocínio na região central, um homem matou pai e filho no Jardim Botânico. O autor do crime tinha um arsenal. Como o senhor avalia a questão do porte e da posse de armamentos?
Eu sempre questionei, porque há os colecionadores, os atiradores, os competidores, mas qual o efetivo controle que tem sido feito? Eu não conheço. Mas esse caso demonstra que precisamos discutir algumas questões. Fala-se muito em liberação de arma, e a política do desarmamento precisa alcançar de uma forma mais responsável todo mundo. E está provado que uma pessoa dessas, que tem arma e 30 projéteis, não tinha equilíbrio para ter esse arsenal. Precisa realmente ser rediscutido, e as pessoas repensarem o valor da vida.
Na sua opinião, as armas precisam ser utilizadas por quem tem um controle emocional?
Com certeza. Vou citar como exemplo dois casos de dentro da própria Polícia Civil. O primeiro, o da nossa instrutora de tiro, que atirou no ex-namorado na 308 Sul, e aquele outro policial que disparou contra um carro e atingiu uma criança na rodovia próximo a Águas Lindas. E olha que a nossa instituição tem um rigor muito grande no trato dessas pessoas. É como falam da esquizofrenia social. A pessoa dispara um processo de agressividade em um dia de fuga, mas ela está armada. É uma questão que, de fato, precisa ser rediscutida.
Entenda o caso
Morto a facadas
Arlon Fernando da Silva, 29 anos, foi morto no centro da capital federal na noite de quinta-feira. O crime aconteceu na ciclovia da via S1 do Eixo Monumental, em frente à Câmara Legislativa, na altura do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e a cerca de 200m do Palácio do Buriti. A vítima voltava para casa de bicicleta, no Sudoeste, depois de sair da Universidade de Brasília (UnB), no fim da Asa Norte, quando foi abordado com golpes de faca. Ensanguentado, ele caminhou até a beira da pista para pedir ajuda, mas ninguém parou. Ao ver um carro da Polícia Militar, Arlon levantou as mãos, ajoelhou e desfaleceu. Dez minutos depois, Arlon foi socorrido pelo Samu, mas o jovem morreu às 22h do mesmo dia no centro cirúrgico do Hospital de Base. Ele era doutorando de física pela UnB. Chegou a Brasília em 2013 para cursar o mestrado, após concluir a faculdade na Universidade Federal do Paraná (UFPR).