Do Correio Braziliense

Todos os dias, pelo menos uma mulher é encaminhada para a Casa Abrigo do Distrito Federal. A cada 24 horas, é arrancado dela o direito de viver como quer e onde acha melhor. O medo de serem espancadas novamente, ameaçadas outra vez, assassinadas, não as permite continuarem livres. No primeiro trimestre deste ano, 3.481 mulheres se dirigiram a uma delegacia a fim de pedir ajuda, vítimas de violência doméstica. Maltratadas dentro de um ambiente criado, naturalmente, para existir o amor. Mas há raiva, covardia. A fórmula para romper o ciclo é a denúncia.

A violência, quando não mata, destrói o dia a dia da mulher. Fere a alma. Tira-lhe a vontade de viver. Mesmo assim, muitas não têm a coragem de denunciar. Temem o outro dia, voltar para casa é um martírio. Dos cinco feminicídios registrados no DF no início deste ano, apenas uma das vítimas tinha feito boletim de ocorrência contra o agressor. Jane Fernandes Cunha, 21 anos, contava com medida protetiva. O ex-companheiro Jhonatan Pereira Alves, 23, que se matou após atirar na jovem, era ciumento, não aceitava o fim do casamento de seis anos e descumpria, à revelia da Justiça, a regra de não se aproximar de Jane. Desobediência responsável pela inquietude de muitas mulheres que denunciam.

Entre elas, Rosa*, 22 anos. Ela deixou a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), na 204/205 Sul, com o filho de 2 anos no colo, mas pareciam não querer voltar para casa. O homem com quem Rosa decidiu dividir a vida se tornou agressivo, nervoso e ciumento. Vieram as promessas de surra, mais tarde cumpridas. “Ele me agrediu fisicamente e, de um tempo para cá, disse que vai me matar, me mandar para o inferno. Disse também que publicaria fotos minhas na internet. Estou com medida protetiva, mas também com muito medo, apreensiva”, lamenta a jovem. Maria*, 26, passou desse estágio. Denunciou o marido depois de 15 anos de casamento, mas não teve paz. Ela está há três meses na Casa Abrigo. “Eu tinha esperança de que mudasse, mas não mudou. Tive que abandonar tudo”, confessa, emocionada (leia Depoimento).

Das 3.481 ocorrências registradas no DF no primeiro trimestre, as maiores incidências são de crime de ameaça, injúria e lesão corporal, nessa ordem. O movimento da Deam é sempre maior às segundas-feiras. Uma constatação da equipe. Depois do fim de semana, as vítimas conseguem um álibi para sair de casa sem chamar a atenção do agressor. O primeiro passo é saber ouvir as mulheres. Elas sempre querem entender como será o procedimento. A delegacia tem até 48 horas para encaminhar a ocorrência ao Judiciário. A Justiça, mais dois dias para decidir. O DF conta com 19 varas e 40 promotorias dedicadas aos casos. Nas histórias nas quais o risco de morte é inerente, o encaminhamento para a Casa Abrigo é feito pela própria Deam. Somente eles sabem o endereço.

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