Fonte: G1 / BRASÍLIA
Uma estátua de Oxalá instalada na Praça dos Orixás, em Brasília, foi consumida pelo fogo na madrugada desta segunda-feira (11). Segundo testemunhas, o incêndio começou por volta das 0h15 e não atingiu as outras 15 esculturas que ficam no local. Representantes de entidades ligadas ao candomblé dizem suspeitar de ação criminosa.
“Não há como ter pegado fogo por uma vela, como já disseram na delegacia, porque a chama não seria alta o suficiente. Se pegasse fogo de baixo para cima, o pé queimaria primeiro e a imagem tombaria”, diz o presidente da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno, Rafael Moreira.
O caso foi registrado na 1ª Delegacia de Polícia Civil (Asa Sul) como “dano ao patrimônio público”. A ocorrência pode ser repassada à Delegacia Especial de Combate à Intolerância, se a investigação apontar indícios de ação direcionada à religião.
Moreira afirma que os ataques às esculturas do espaço remontam a 2004. Em 2010, as obras do artistas baiano Tatti Moreno foram restauradas por um convênio entre a Fundação Cultural Palmares, a Secretaria de Cultura do DF e o Ministério da Cultura. A obra custou R$ 750 mil mas, desde então, as obras já foram danificadas novamente.
“São vários casos, e até hoje ninguém foi responsabilizado. Como não tem segurança nem câmera, é sempre a denúncia de alguém que viu, alguém que contou, é difícil seguir investigação. A gente depende do relato de quem mora aqui na praça, é um relato que não costumam levar a sério no inquérito”, diz o presidente.
Das 16 entidades representadas no local, seis estão com algum dano. O orixá Logunedé, da riqueza e da fartura, perdeu a lança de caça. Alguns adornos de Ogum, oxalá da guerra, e Omolú, das doenças, também foram roubados. As estátuas de Nanã e Ossanha, que representam a saúde e as florestas para o candomblé, perderam dedos. O tridente de Exu foi danificado e a imagem de Oxalá, que já tinha perdido o cajado, agora é vista pelo povo de terreiro como “perda total”.
“Esse material é fibra, não tem como você restaurar. Se alguém encostar ali naquela parte queimada, com certeza os pedaços vão soltar na mão. A gente não pode restaurar por conta própria porque é uma obra de arte, tem assinatura, tem nome. Ainda pensamos em tentar no ataque anterior, mas agora, eu não sei”, diz Moreira.
Casos anteriores
A mesma estátua já havia sido atacada no ano passado. O coordenador do Fórum Permanente das Religiões de Matrizes Africanas de Brasilia e Entorno (Foafro-DF), Luiz Alves, afirmou em dezembro que um morador de rua que estava no local presenciou o ato de vandalismo, mas não informou quando aconteceu.
Segundo a testemunha, dois homens e uma mulher chegaram ao local em um carro branco e serraram o braço de uma das estátuas, para retirar o cajado. Para Alves, o morador de rua disse que os suspeitos fugiram depois da chegada dele. O cajado não foi removido, mas parte da peça foi deslocada. Um barbante foi usado para prender o pedaço que se soltou.
No final de novembro, o terreiro conhecido como Casa de Mãe Baiana foi incendiado. O espaço fica em uma chácara no Núcleo Rural Córrego do Tamanduá, entre o Paranoá e o Lago Norte, e recebia 50 pessoas por semana. O fato foi informado pelo Disque 100, canal da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República que recebe denúncias de violações de direitos humanos.
Revolta
Adna dos Santos, a “Mãe Baiana”, compareceu à Praça dos Orixás nesta segunda e se comoveu ao ver a estátua queimada. Ela afirmou ao G1 que tinha esperança de ver os casos diminuírem após a criação da delegacia especializada, em janeiro.
“Eu pensei que fosse dar uma reprimida, mas pelo contrário. Oito dias de atearem fogo na minha casa, eve um outro terreiro atacado, meu vizinho. Arrebentaram as portas, destruíram, mataram um cachorro, deixaram o sangue deles nas paredes, os pedaços nos cômodos. Isso não é ato de povos e comunidades de matriz africana, nossa história não é essa”, diz.
Mãe Baiana também cita o incêndio que atingiu um centro espírita na área residencial de Sobradinho, em 29 de janeiro. Na época, o filho do fundador e assistente social Guilherme Varandas afirmou que o incêndio tinha sido criminoso e que o espaço já tinha sido alvo de outros ataques.
“Teve outras casas, mas as pessoas não quiseram alarmar porque trabalham em órgão público, com maioria das pessoas de outras denominações, e aí ficaram com medo de perder o emprego. Nem todo mundo bota a cara na janela para denunciar”, diz.
A mãe de santo diz que ainda não recebeu o laudo da perícia sobre o incêndio de novembro, cinco meses depois. “No dia do incêndio, o policial falou bem alto que era um curto-circuito, para todo mundo ouvir. Saiu de lá com essa história, já, antes da perícia. E ainda não me deram meu laudo, não me mostraram nada.”