Favor: Correio Braziliense

A estrutura da distribuição de drogas na capital ocorre de forma tão consolidada que até os endereços utilizados na comercialização ganham apelidos em alusão ao consumo e ao tráfico. Existe o Hotel do crack, no Eixo Monumental; a Cracolândia candanga, nas intermediações da Rodoviária do Plano Piloto; o Buraco do Rato, no Setor Comercial Sul, e o antigo Castelo de Grayskull, em Ceilândia — o último demolido em maio de 2012. Nos locais, circulam, entre mãos de fornecedores e usuários, desde maconha até entorpecentes mais pesados. Sem divisão de classes. A cocaína e suas diversas formas aparecem nas ruas e em reuniões de amigos. Os cigarros de maconha são “democráticos”: passeiam em variadas camadas. A elite consome o haxixe e as sintéticas, especialmente nas baladas.

Quanto menos se mistura a droga, mais cara a substância se torna. O status de quem consome cada produto mostra o alcance financeiro dos personagens inseridos no falso poder dos alucinógenos. Mas não existe um estereótipo enraizado. Apesar de o crack ser fortemente encontrado no centro, pessoas que chegam ao ápice da dependência recorrem à pedra, independentemente do nível social. As porções alcançam até famílias de alto padrão. “É menos comum, porque quando a família percebe, ela dá maior suporte. Eventualmente, é possível encontrar pessoas de classe média alta que viciam”, pontuou o titular da Coordenação de Repressão às Drogas (Cord) da Polícia Civil, Rodrigo Bonach.

Além dos zumbis no Setor Comercial e na Rodoviária do Plano e dos dependentes ricos, caminhoneiros fazem o uso da pedra, assim como de porções de cocaína, para se manter acordados. Derivado da pasta-base da cocaína e misturada com subprodutos que causam mais dependência, uma porção de crack pode custar até R$ 200 — dependendo do quanto se está refém do produto.

Se a cocaína chega às ruas com derivados de baixíssima qualidade — e por isso fica muito barata —, ela também alcança pessoas de alto padrão com preços elevados. A escama de peixe, por exemplo, a mais pura que existe, pode custar R$ 40 mil o quilo. Por metade disso, haxixe é usado para fumar com cachimbo e também como cigarros. Valor alto também para as drogas sintéticas, como LSD e ecstasy. Por essa razão, quem consome é a elite. Estão presentes nas baladas ricas, mas também na periferia. Segundo Bonach, do total de microsselos apreendidos de 2015 até agora, apenas 6% eram LSD. “Isso significa que o usuário está consumindo achando que é microsselo, mas, na verdade, são outras substâncias com efeitos análogos — o que pode levar à morte”, ressaltou.

Realidade
A imagem mais forte dos usuários vem das ruas, em pleno Setor Comercial Sul. Marcelo* (nome fictício) tem 42 anos e há 27 usa droga. Com a mão calejada, magro e os dentes amarelados, vive na rua e alimenta o vício vigiando e lavando carros no local. Os amigos estão ali também, no Buraco do Rato, entre as quadras 5 e 6. Gasta, por mês, entre R$ 140 e R$ 150 com o entorpecente. “Eu comecei nessa vida com 15 anos, tomando cachaça e fumando maconha. Cheguei ao ponto de injetar outra droga na veia. Hoje, cheiro pó e fumo a pedra. Gosto da rua, mas a verdade é que a gente se entrega para morrer. Estou cansado, mas aqui todo mundo gosta de mim”, ressaltou.

Natural da Bahia, ele tem seis filhos com três mulheres diferentes. Virou avô há pouco tempo. A filha mais velha, que mora no estado baiano, virou mãe. “Estou cansado. Enjoei de trabalhar. Ao mesmo tempo que gosto da rua, tenho vontade de sair”, desabafou. “Quando estou na ‘lombra’ (estado de alucinação após o uso da droga) viajo em estudos bíblicos, canto e oro”, contou.
Vagner* (nome fictício) é dependente de crack. Isso envelhece a aparência do rapaz, com os dentes desgastados, e faz parecer que ele tem muito mais do que os 32 anos de vida. Há nove, deixou o emprego terceirizado em um dos ministérios no centro do poder. Nunca mais trabalhou. O vício tomou conta. “Desde os 7, uso álcool. Depois, comecei com a maconha. No ministério, os próprios servidores públicos procuram a droga. Hoje, uso a pedra e cheiro o pó, mas estou há três dias sem o crack. Também já injetei heroína. A ideia é a ‘lombra’. Gasto R$ 200 por dia”, revelou.

Dependente químico, ele está na rua desde antes do Natal de 2015. Morava no Recanto das Emas, mas a mãe o expulsou de casa. A mulher foi estuprada e assassinada. O pensamento que leva com mais afinco é o de vencer a dependência. Durante a entrevista, pediu à reportagem que anotasse telefones de quem podia ajudá-lo a conseguir novos documentos. “Quero tirar meus papéis e conseguir um emprego. Não vendo droga porque não quero. O único jeito de conseguir o dinheiro é lavando e vigiando carros”, lamentou.

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