Em termos percentuais, o problema é ainda mais grave na Asa Norte. Lá, os flagrantes de venda de entorpecentes tiveram uma alta de 112,1%
“Antigamente, essas coisas aconteciam mais à noite. Hoje, tudo é feito à vista e a qualquer hora do dia”, relata um morador da 403 Sul, ao ser indagado pelo Correio sobre a presença de usuários de drogas na região. Um pouco adiante, em um estabelecimento comercial da mesma quadra, o proprietário de uma loja aceita falar com a reportagem. Mas sob uma condição: só abre a boca se não tiver o nome publicado. “Você sabe como é, a gente trabalha aqui. Se falo demais, a coisa pode se complicar”, justifica. Trato aceito, ele entrega: “O cara que é viciado encontra o que quiser aqui. É só procurar as pessoas certas”.
Os relatos revelam uma realidade perigosa: a Asa Sul é a localidade do Plano Piloto com mais ocorrências de tráfico de drogas entre janeiro e outubro de 2015. Só este ano, a região contabilizou 255 casos, contra 161 em 2014. Isso representa um aumento de 58,4%, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública e Paz Social do Distrito Federal.
Em termos percentuais, o problema é ainda mais grave na Asa Norte. Lá, os flagrantes de venda de entorpecentes tiveram uma alta de 112,1%. Os números, por outro lado, indicam uma redução de 5,9% nas ocorrências registradas na zona central de Brasília, compreendida entre a Torre de TV e a Esplanada dos Ministérios. Foram 144 casos em 2015, contra 153 no ano anterior.
Embora situada no coração do poder, a área é considerada um dos pontos principais de tráfico da capital, principalmente a Rodoviária do Plano Piloto, onde há consumo de crack e maconha entre os moradores de rua. Ao comparar estatisticamente as ocorrências por região, o levantamento da SSP-DF lança luz sobre o que se esboça como uma nova estratégia do tráfico de entorpecentes na capital. Traficantes que há pouco tempo tinham forte atuação na zona central passaram a demarcar território nas quadras residenciais e comerciais do Plano Piloto.
A migração ocorreu após a intensificação das ações policiais na zona central. Em relação ao uso e ao porte de drogas, a Asa Sul figura na dianteira das estatísticas, com 630 ocorrências em 2015. Isso representa um aumento de 81,6% em comparação com o ano passado, quando houve 347 registros de uso e porte de drogas. A Asa Norte teve o maior crescimento proporcional: de janeiro a outubro, a região registrou aumento de 209,6 % nos casos de uso e porte de entorpecentes. Foram 322 flagrantes este ano e 104, no ano passado. Já a zona central teve 526 registros desse tipo até outubro, contra 392 no mesmo período de 2014.
Segundo o GDF, os números apresentados refletem o trabalho de prevenção executado pelas polícias Militar e Civil, que passaram a atuar ostensivamente nas áreas. “Desde janeiro, o trabalho dos policiais no centro de Brasília foi intensificado, aumentando o número de ocorrências. Esse trabalho é orientado por estudos e análises criminais produzidos pela Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social dentro do Viva Brasília – Nosso Pacto pela Vida, programa de segurança pública do DF. As ações são definidas de forma com que os policiais possam estar nos locais de maior vulnerabilidade para crimes”, afirma a secretaria.
Sobre o fortalecimento das ações na zona central, o órgão explica que, além das análises criminais cotidianas, um mapeamento específico verifica a infraestrutura urbana, casos de desordens, o tipo de uso dos espaços públicos e o grau de articulação da comunidade, mecanismo que, segundo os técnicos da pasta, permite avaliar de que forma as características observadas se relacionam com violência.
A SSP-DF salienta, contudo, que as ocorrências por tráfico de drogas são registradas devido a prisões por esse tipo de crime, diferentemente das demais naturezas criminais, quando é contabilizado o crime em si. “Uma ocorrência de roubo a pedestre é o registro de que alguém foi roubado, assim como os roubos em residência e de veículo, entre outros. Por essa razão, as ocorrências de tráfico de drogas são tratadas como ocorrências de produtividade policial, ou seja, elas indicam se as polícias prenderam mais ou menos pessoas cometendo esse tipo de crime. O número, portanto, não indica necessariamente se houve aumento ou redução do tráfico de drogas, que é uma atividade ilegal, e, por isso, difícil de ser medida”, esclarece.
Em entrevista ao Correio no mês passado, o delegado Kel Souza, chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal no DF, afirmou que traficar drogas em Brasília é mais lucrativo do que no resto do país. Segundo ele, a vantagem reflete-se no preço final dos entorpecentes, já que a capital possui a maior renda per capita entre as cidades brasileiras. “O traficante compra por ‘x’ nos países produtores e revende aqui por 20 vezes esse valor. Em outras unidades da Federação, como São Paulo, o lucro chega à metade”, explicou na ocasião.
De acordo com o delegado, a droga mais usada por aqui ainda é a maconha, embora a polícia não despreze o consumo das substâncias sintéticas e da cocaína. Somente neste ano, a Superintendência da Polícia Federal no DF apreendeu 13 toneladas de maconha e 100 quilos de cocaína. A última grande apreensão ocorreu em agosto, quando, de uma só vez, policiais federais tiraram de circulação 3 toneladas de maconha numa operação em Rio Verde (GO), com apuração iniciada em Brasília.
Repressão
José Daldegan, presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul, diz reconhecer a eficácia do trabalho da polícia, especialmente nos setores comerciais. “A atuação repressiva deve ser estendida para as entrequadras próximas aos blocos, onde o efetivo é praticamente inexistente”, reclama. De acordo com Daldegan, são constantes as denúncias de moradores sobre o consumo e a distribuição de entorpecentes nas quadras 300, 500, 700 e na Via W2 Sul.
Maria das Graças Moreira, presidente do Conselho Comunitário da Asa Norte, garante que, apesar de a SSP-DF apontar crescimento de 112,1% nos casos de venda de drogas na região, o local não enfrenta problemas alarmantes relacionados ao tráfico. “As poucas ocorrências que temos são de roubos e furtos de celular. A Polícia Militar está sempre nas quadras. Estamos muito satisfeitos com sua atuação”, minimiza.
Para especialistas, o problema só será combatido com inteligência. O sociólogo Vicente de Paula Faleiros, professor da Universidade de Brasília (UnB), lembra que a luta contra o tráfico de drogas é travada em nível mundial. Para ele, a dificuldade em combatê-lo reside, essencialmente, no fato de a atividade criminosa ter alcance global e envolver cifras bilionárias. Vicente Faleiros acredita que, atualmente, a única nação preparada para enfrentar o problema de forma efetiva são os Estados Unidos. “O tráfico de drogas é universal, clandestino, ilegal e atua em cartel. Ele só acaba quando desmantelado economicamente. Para isso, precisamos de inteligência, instrumento que o nosso país não tem”, destaca Faleiros. “Você não consegue acabar com o tráfico de baixo para cima, pois se trata de uma atividade cujo chefão não está na favela, nem nos pontos de venda”, observa.
Fonte: Correio Braziliense