Brasiliense fazia documentário perto de Macchu Picchu quando sumiu.
Polícia tem quatro suspeitos; uma testemunha foi ameaçada de morte.

Exatos três anos desde o sumiço do filho no Peru, a servidora pública Susana Paschoali afirma acordar e dormir todos os dias pedindo a Deus esclarecimento sobre o que houve com Artur, além de tranquilidade e paz para saber lidar com os resultados da investigação. O jovem viajou ao país em 2012, aos 19 anos, e foi dado como desaparecido no dia 21 de dezembro. Quatro pessoas são suspeitas de envolvimento com o crime.

Segundo ela, desde então a família não tem Natal. “Nós estamos convivendo com essa dor com muita dificuldade. É como se faltasse para a gente um pedaço para a gente. A gente continua vivendo porque acreditamos que temos nossas dificuldades, mas esses são os propósitos de Deus para nós. Nós não estamos felizes. Toda nossa família sofre, e essas datas são datas muito dolorosas.”

Mãe de mais um garoto e duas garotas, Susana conta porém tentar lidar com a data de uma forma mais leve. “Não tem como você ficar repassando essa dor para outras pessoas e dificultando ainda mais o que elas sentem, porque elas sofrem também. Quando ficamos alimentando muito as dores e a ausência, geramos um desconforto muito grande em todos que estão ao nosso redor.”

A mulher conta que mergulhou no trabalho desde o sumiço do filho. O marido, Wanderlan Vieira, vendeu a lanchonete e passou a viajar com frequência para o país. “Nós, na família, ficamos praticamente sem o Artur e sem o Wanderlan”, diz.

O jovem viajou no dia 26 de setembro de 2012. Ele deixou o país por São Paulo, junto com um grupo denominado “Rainbow – Caravana da Paz”. O objetivo era participar de um encontro na Guatemala, parando antes no Peru. Artur, porém, se encantou por Cusco e não quis deixar a região.

Artur trabalhou em um vilarejo em uma montanha ao lado de Águas Calientes, ponto turístico que leva a Machu Picchu, e decidiu ficar mais tempo na região. Depois, arranjou emprego.

“[Ele queria] Fazer um documentário sobre a região de lá.  Ele queria conhecer o interior do Peru, conhecer as trilhas andinas, queria saber sobre os incas e retornaria já com esse documentário”, lembra a mãe.

Os contatos com a família aconteciam por Facebook, porque o menino não gostava de celular. A mãe estranhou o fato de ele não ter postado nada no dia 26 de dezembro – o último contato foi no dia 20 – e decidiu ligar para o então chefe. Foi assim que os pais souberam do desaparecimento do jovem.

“[No dia 20] Ele estava muito feliz. Ele tinha dito que tinha encontrado um local, que era quase gerente. Em nenhum momento nesses três meses ele disse que tinha medo. Em nenhum momento”, conta Susana.

“Porém, quando chegamos lá [após o sumiço], a maioria as pessoas que falaram conosco demonstrou que no dia que ele desapareceu ele estava muito agitado, com medo, querendo falar no interurbano e não conseguia falar de orelhão. Posteriormente, falando com o Wanderlan, algumas testemunhas falaram que ele estava querendo sair logo de lá. Inclusive, o termo que uma pessoa usou para nós é que ele estava desesperado. Foi essa a palavra.”

A mãe conta que doou quase todos os pertences do filho que estavam no Peru e que tenta evitar sentimentos que possam tornar a situação mais difícil. “Agimos como se ele tivesse ido viajar e voltaria, como uma pessoa que vai fazer um curso na Europa ou no exterior e passa um ano, dois anos, e não deixamos a mesa posta para ele. Sempre tenho a sensação que ele está ali e vai voltar e que a situação é mais natural do que essa dor de estar ali e ficar alimentando um processo que não sabemos como vai terminar.”

Susana conta que passou por três momentos mais complicados durante todo o processo: quando a mulher de um dos suspeitos destratou a família no meio da rua, e ela vomitou; quando soube do sangue achado na casa do ex-chefe do filho, e chorou por horas; quando não foi recebida por representantes dos Direitos Humanos da Presidência da República.

“Acho que a dor é a mesma. Não dói nem mais, nem menos. O que ocorre é que a gente vai sedimentando na nossa vida uma ausência e aí você vai aprendendo a conviver com essa ausência. Mas a dor para mim é sempre a mesma”, explica. “A dor é mais forte neste momento de Natal porque nós nos reunimos. A gente sente muito a falta dele, fica muito exposta essa ausência, a dificuldade que a gente enfrenta.”

Investigação
A polícia peruana investiga ameaças de morte feitas por telefone a uma das testemunhas do processo. Um agente tem acompanhado a vítima e a família. Entre os investigados pelo crime está o ex-chefe do rapaz. Na câmera fotográfica dele foram achadas fotos inéditas do estudante. As imagens ainda passam por perícia e não foram divulgadas nem para a família. O exame de DNA feito com sangue encontrado na casa do homem deu negativo.

No início de dezembro, o pai, Wanderlan Vieira, fez a sexta viagem ao país para cobrar a apuração do caso. Ele estava acompanhado dos deputados Ricardo Vale e Wellington Luiz, presidente e vice da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa. Dois policiais civis e um segurança também compunham a comitiva.

Após reuniões com as autoridades do país, o grupo conseguiu “avanços”: o promotor que apurava o caso foi trocado e quatro agentes foram destacados para investigar o desaparecimento.

“Os agentes especializados já se encontram em trabalho efetivo na região, me pediram mais detalhes sobre o caso e um resumo por escrito”, explica Vieira. O caso é investigado como delito criminoso.

A Polícia Civil do DF chegou a projetar a fisionomia do jovem para facilitar a apuração. São 20 imagens, que mostram, por exemplo, Artur com e sem barba, com cabelo curto e comprido.

“Acredito que o Artur possa estar trabalhando em alguma fazenda peruana ou montanha, como escravo, contra a vontade dele, claro. Também acredito na possibilidade que ele simplesmente tenha sofrido algum problema e ser assaltado, ou que as pessoas que fizeram isso tenham batido nele e ele ficou sem memória. As possibilidades são muitas. O que temos certeza hoje é que não sabemos o que ocorreu. Temos que lutar até o fim”, completou o pai.

Fotos inéditas
A polícia peruana comunicou em novembro ter recuperado imagens inéditas de Artur. Para o pai, o equipamento só foi periciado pela primeira vez porque a família insistiu.

“Quando estivemos em Santa Teresa [cidade peruana onde Artur sumiu] pela primeira vez, vi que havia uma foto no boletim de ocorrência. Perguntei de onde vinha a foto, e me disseram que quem levou a foto foi quem fez o boletim de ocorrência, o dono do restaurante onde ele estava trabalhando.”

“Eu disse ao policial que eu gostaria de visualizar as imagens que estavam contidas na câmera”, disse o pai. “Já estava desconfiado que alguma coisa não estava batendo. Imaginei que poderia ter alguma imagem que comprometia o ex-chefe, que disse que a única foto que tinha do Artur era justamente a foto que ele apresentou na delegacia.”

O equipamento foi encaminhado a um laboratório de alta tecnologia em Lima, capital do Peru, ainda no final de 2012, com 594 imagens. Segundo Vieira, o ex-chefe do estudante disse que deletou as com numeração imediatamente anterior e posterior à foto de Arthur levada à delegacia porque não tinha interesse em mantê-las.

A polícia peruana anunciou no dia 9 de novembro que conseguiu recuperar 102 imagens. Dessas, apenas duas abriram no computador da corporação. Elas mostram Artur brincando com o filho do ex-chefe, que na época tinha 2 anos.

Vieira diz acreditar que vai enfrentar nova “saga” para obter resultados e relata dificuldades junto à polícia peruana e ao Itamaraty para prosseguir com as investigações. Para o pai, as fotos podem ajudar a revelar o que aconteceu com Artur.

Os pais só terão acesso às imagens depois que os fiscais conseguirem abrir todos os arquivos. As imagens serão acessadas na frente do advogado da família, da defesa do ex-chefe e de um policial peruano. Não há previsão para que isso aconteça.

Gastos
Segundo Vieira, a família já gastou R$ 230 mil na tentativa de encontrar o filho. Apesar das dificuldades financeiras, os pais dizem que não vão desistir de descobrir o que aconteceu.

“Eu vendi uma lanchonete, minha esposa já está no limite dos empréstimos dela, tudo para tentar saber o que se passou. O que nós sentimos é que há uma incompetência muito grande na realização de atividades muitos simples”, afirma.

“Demoraram quase três anos para fazer isso, para recuperar fotos. Minha angústia maior é com esse DNA, que já está sendo deteriorado e ainda não tem resultado”, diz Vieira.

Fonte: G1 – DF

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