Na Polícia Civil do Distrito Federal, o Departamento de Polícia Técnica (DPT) se transformou em uma ferramenta indispensável para materializar em provas os vestígios de um crime. Incorpora quatro institutos, cada um com sua especialidade: desde perícias criminais e exame de corpo delito até testes de DNA.
“São anos de especialização e aperfeiçoamento. E o trabalho não para. Todos atuam em conjunto e são parte de um único contexto, a investigação científica do crime”, diz o diretor do DPT, Paulo Vilarins.
Tanta expertise e conhecimento fazem com que os profissionais da perícia brasiliense sejam acionados para apoiar operações no país e no exterior. Servidores do Instituto de Criminalística (IC) ajudaram a explicar o que ocorreu na Boate Kiss na madrugada de 27 de janeiro de 2013, na cidade de Santa Maria (RS). Um incêndio matou 239 pessoas, a maioria jovens. Na época, apenas o Distrito Federal tinha um aparelho de alta tecnologia para criar uma maquete virtual da casa noturna.
Em janeiro de 2011, os peritos do DF ajudaram na identificação de vítimas da tragédia ocorrida na Região Serrana do Rio de Janeiro. Em 2004, um grupo de profissionais da capital federal esteve em Assunção, no Paraguai, para fazer o reconhecimento de mais de 300 pessoas mortas em um incêndio no supermercado Ycuá Bolaños.Foram colocados scaners em vários pontos do estabelecimento para realizar uma filmagem em 360°. As imagens foram transformadas em uma computação gráfica em 3D, permitindo simular como era feita a movimentação dentro da boate, além de mostrar todas as medidas do local, as vias de acesso e as rotas de fuga.
Tragédia aérea
A equipe do Instituto de Identificação — formada pelos papiloscopistas — foi fundamental, por exemplo, no reconhecimento de 90% das vítimas que estavam no Boeing 737 800 da Gol, que caiu em 29 de setembro de 2006, em uma área densa da floresta amazônica na Serra do Cachimbo, após se chocar com um jato Embraer Legacy 600. As 154 pessoas que estavam a bordo morreram.
Os peritos chegaram a trabalhar 12 horas por dia na identificação das vítimas. Sob macacões sintéticos especiais, toucas, botinas de borracha e máscaras feitas com filtro de carvão ativado — que ajudam a eliminar o odor e a diminuir o risco de contaminação —, precisavam, em média, de meia hora para analisar cada cadáver.
Tudo com muito cuidado, em função do estado dos corpos. Vários tecidos da pele humana foram tratados quimicamente em laboratório, desenvolvendo a aplicação de técnicas de desidratação e posterior coleta das impressões digitais.
Os outros 10% foram identificados pelo Instituto de Pesquisa de DNA Forense (IPDNA), que é referência no país: são cerca de 25 mil amostras de DNA cadastradas só no DF.
Sempre inovando
Para tornar a perícia mais especializada, pesquisas são frequentemente conduzidas dentro dos laboratórios. Um dos estudos mais famosos desenvolvidos por peritos brasilienses usa insetos encontrados dentro de pacotes de maconha apreendias no DF como os mais novos informantes do crime.
Essa foi a forma encontrada pelo perito criminal da Polícia Civil Marcos Patrício Macedo para provar que grande parte da maconha que chega em território candango é cultivada em Mato Grosso e em cidades paraguaias. A descoberta se transformou em pesquisa de mestrado elaborada pelo biólogo e perito, que analisou 10 quilos de maconha, resultado de duas apreensões no DF. “De pedaços de asas e patas até insetos inteiros, tudo é importante”, explica o pesquisador brasiliense, que encontrou 78 vestígios de insetos nas amostras analisadas.
Segundo o perito criminal e ex-diretor do Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil Celso Nenevê, trabalhos como esse servem para respaldar apurações feitas pelas divisões especiais que investigam o tráfico de drogas não apenas na capital da República, mas em todo o país. “Na verdade, essas pesquisas funcionam como uma espécie de mapeamento, que torna possível identificar os locais de produção das drogas. Assim fica mais fácil para a polícia direcionar determinada investigação de combate ao tráfico”, destaca.
Estilhaços
Uma das técnicas que também está sob estudo no IC terá a capacidade de apontar a autoria de crimes de trânsito de forma incontestável, mesmo se o veículo envolvido em um atropelamento, por exemplo, não estiver mais no local do crime. O ponto de partida será o estilhaço de vidro, comum em locais de colisões ou atropelamentos.
“Existe uma técnica muito usada nos EUA e em países europeus que consegue identificar que aquele pequeno estilhaço pertence ao para-brisas de um veículo específico. Cada um deles possui identidade própria, sequências moleculares únicas, como as impressões digitais, que nunca são iguais”, explica Celso Nenevê.
O equipamento se chama espectro de massa e já chegou a Brasília. Utiliza uma técnica bastante poderosa. “Assim, conseguimos colocar determinado veículo na cena do crime, mesmo que ele tenha fugido ou passado por consertos antes de ser analisado”, comemora.
Defasagem
Apesar de o Departamento de Polícia Técnica do DF ser um dos mais aparelhados do país, os peritos enfrentam, diariamente, uma defasagem no quadro de pessoal. Segundo a Associação dos Peritos Criminais do DF, são feitas, anualmente, 3,4 mil requisições para perícias em cenas de crimes contra a vida. Outros 8 mil procedimentos relacionados a delitos de trânsito e 30 mil envolvendo atos contra o patrimônio.
Segundo o presidente da associação, Bruno Telles, a defasagem no quadro não impede que o trabalho seja feito, mas a escala dos profissionais acaba sobrecarregada. “Seriam necessárias vagas extras, já que os últimos concursos serviram apenas para tapar buracos deixados pelos que se aposentaram. Só no IC, os 41 servidores que entraram em 2012 vieram para substituir 40 que haviam deixado a instituição”, lembra.
A saída, segundo Telles, seria abrir novas vagas e, pelo menos, triplicar o efetivo. “A taxa de criminalidade aumentou muito e, por consequência, o número de acionamentos para as perícias também. O quadro de peritos ficou parado no tempo”, completa.
Fonte: Metrópoles