Campanhas e debates sobre  a violência doméstica ainda não foram o suficiente para cessar esse tipo de crime no Distrito Federal.  De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, somente no primeiro semestre de 2015,  foram registradas 6.938 ocorrências    – uma média de 38 casos por dia. A maior parte dos agressores é composta pelos próprios  companheiros das vítimas. Esse seria o caso do crime que tirou a vida de  Aline de Souza Gouveia, 36 anos, na noite da última quarta-feira.

Após o fim do namoro de seis meses, o promotor de eventos Gilvan Ferreira Moraes, 40 anos, teria  assassinado Aline com três tiros  após invadir o prédio onde ela morava, em Taguatinga Sul. De acordo com vizinhos, o  homem chegou de motocicleta ao local. Especula-se que ele tenha se aproveitado da passagem de outra pessoa para entrar.

Aline morava com a irmã e   um sobrinho pequeno na QSE 10 – ambos  não estavam no local no momento do crime. A vítima lutava contra um câncer no estômago   há três anos, usava  bolsa de colostomia e vivia do auxílio-doença.

Depois de chegar em casa, Aline   se preparava para tomar  banho quando  teria sido surpreendida por Gilvan. Utilizando uma cópia da chave, ele  teria entrado no apartamento e atingido   a cabeça dela com três disparos.

Um tumulto se formou em torno do prédio. Rosália Pereira, 44 anos,  vizinha de porta da vítima, estava na cozinha quando ouviu a moça gritar e pedir   socorro. “Eles estavam discutindo, ele bateu nela e, após os gritos, vieram os barulhos de tiro. Ainda o vi sair tranquilamente pelo corredor com um capacete e a arma   nas mãos”, relata.

Segundo a Polícia Militar, Gilvan fugiu de moto até  a casa do irmão, na QR 108 de Samambaia Sul, onde se matou utilizando a mesma arma.

Irmã da vítima, a estudante Gabriela Gouveia, 29, conta que o casal, que tinha um histórico de brigas, se conheceu por um amigo em comum, mas   a família não o aceitava por conta das ameaças. “O namoro era conturbado, terminava e voltava. Ele era ciumento, bebia e já a  agrediu. Quando eles brigavam, dizia que ia matá-la, mas ela   achava que não passava de um momento de raiva. Falei para minha irmã que não queria ele na nossa casa”.

Ponto final em relação conturbada

Recentemente, Gilvan teria começado a frequentar cultos evangélicos  e prometido que as agressões não se repetiriam. Mesmo assim, eles brigavam com frequência. Cansada dos gritos e puxões, no início desta semana, a moça  resolveu pôr um ponto final na história.

“Na terça-feira, ela terminou tudo de vez. Não aguentava mais as agressões. Só que, sem a minha irmã saber, ele fez uma cópia da nossa chave. Dava para notar que foi feita recentemente, ainda estava novinha. Só nós duas tínhamos e a dela estava em casa”, ressalta.

Conselho

Uma amiga ainda a teria aconselhado a se mudar para a casa da mãe em Uberlândia (MG), onde ela poderia ficar longe do ex-namorado, mas a moça não quis abrir mão do que já havia conquistado.

“A minha sensação é de impotência por não poder ter feito nada. Acredito que ele também teria matado a mim e ao meu irmão se estivéssemos aqui na hora. Depois do crime, ele ainda me mandou uma mensagem por volta das 20h: ‘Você e seu irmão também iam, tiveram sorte’”.

Ceilândia no topo do ranking

Segundo os dados da Secretaria de Segurança, 69% dos crimes de violência contra a mulher no primeiro semestre do ano se concentraram em  dez  das 31 regiões administrativas. Ceilândia lidera o ranking das áreas com mais denúncias, com um total de 17%, seguida por Planaltina, 9,3%; Gama, 6,7%; Samambaia, 6,4%; Recanto das Emas, 6,4%; Taguatinga, 6,1%; Santa Maria, 5,1%; Brasília, 4,7%; Sobradinho, 4,1%; e  São Sebastião, com índice de 3,4%.

O levantamento aponta que os dias da semana com maior incidência de violência doméstica são sexta-feira, sábado e domingo. Às sextas, o índice é de 13,3%; aos sábados,  é de 20,1%, e, aos domingos, 18%. A maior parte dos confrontos ocorre  entre 18h e meia-noite. De acordo com o estudo, os crimes mais comuns são ameaça (30,58%), injúria (27,5%), confronto físico (9,10%), lesão corporal (8,26%) e lesão corporal dolosa (6,83%).

Reincidentes

Das 6.938 ocorrências de violência doméstica registradas no primeiro semestre de 2015, em todas   foram identificados os autores, segundo o estudo. Ao todo, existem 7.548 suspeitos, sendo que 558 são reincidentes (autor em duas ou mais ocorrências).

Um basta após 4 anos de silêncio

A estudante Maria (nome fictício), de 22 anos, passou seis anos casada e sofreu várias agressões do  ex-marido, com quem teve dois filhos. Por  quatro anos, Maria apanhava constantemente, mas nunca denunciava à polícia porque era apaixonada pelo agressor e achava que ele iria mudar. Há   sete meses, ela decidiu dar um basta na situação e se separou, voltando para a casa da mãe com as crianças. Mas, depois disso,  não teve paz e    sofre  ameaças constantemente.

Por conta da situação, Maria juntou provas, como áudios e mensagens   dele, e decidiu registrar queixa na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam). “Desde que me separei, meu ex-marido me persegue. Liga, manda mensagem, já tentou invadir a casa da minha mãe e fala para todo mundo que vai me matar. E depois que eu comecei a namorar, há mais ou menos um mês, a situação ficou ainda pior. Ele já ameaçou até a minha mãe, indo ao trabalho dela”, conta.

De acordo com Maria, o ex-companheiro se aproveita das visitas aos filhos para tentar armar emboscadas. “Todas as vezes que ele leva as crianças à casa dele,  diz que só as devolve   se eu for até lá sozinha. Já houve situações em que tive que recuperar meus filhos com a ajuda da polícia”, relata. Segundo a vítima, as agressões iniciaram após dois anos de relacionamento.

“Fui casada por seis anos e, durante quatro,  eu apanhava. Ele me batia na frente dos meus filhos, já tentou até atear fogo em mim e nas crianças. Depois das brigas, me pedia perdão e eu, uma boba apaixonada, sempre perdoava. Minha família sempre recriminava minha atitude e minha mãe implorava para eu denunciar, mas só agora abri os   olhos”, afirma. Maria contou que o ex-marido  já agrediu uma ex-mulher. Mesmo após a queixa na polícia, a vítima não se sente segura, pois acha a lei muito branda.

Ações tentam inibir casos de violência

O Distrito Federal possui quatro centros especializados de atendimento às mulheres, que oferecem apoio psciológico e jurídico às vítimas. Eles ficam na estação do Metrô da 102 Sul, na 601 Norte, em Ceilândia e em Planaltina. Para denunciar violência doméstica no DF, o telefone é 156, opção 6, ou o número 180, da Secretaria de Políticas para Mulheres do Governo Federal. Xingamentos, ameaças e gritos também podem ser enquadrados na Lei Maria da Penha.

A Subsecretaria de Segurança Cidadã, da Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social, por meio do Viva Brasília – Nosso Pacto pela Vida, tem um núcleo de apoio a mulheres em situação de risco, que promove ações intersetoriais para discutir enfrentamentos para esse tipo de violência.

Esse trabalho envolve as secretarias de Educação, de Justiça, de Saúde, da Mulher, do Desenvolvimento Social, entre outras, as forças de segurança pública (polícias Militar e Civil, Corpo de Bombeiros e Defesa Civil) e órgãos do Judiciário, como o Tribunal de Justiça do DF e o Ministério Público do DF.

Iniciativas

Há propostas de prevenção em discussão, análise e em funcionamento. Um dos programas que fazem parte desse processo é o Programa de Prevenção Orientada à Violência Doméstica (Provid), da Polícia Militar, em que policiais militares preparados realizam visitas sistemáticas e monitoramento às famílias que vivem em situação de violência, seja ela de gênero ou contra idoso e criança. O programa faz, em média, 70 visitas mensais a essas famílias.

Ponto de vista

Na opinião da doutora em Direito Soraia Mendes, somente políticas de proteção para a mulher, não só no sentido penal, podem erradicar a violência doméstica. “Apesar de existir há nove anos, a Lei Maria da Penha ainda não resultou no fim ou na diminuição da violência contra a mulher. É preciso haver políticas de proteção para a mulher, com uma mudança na cultura, ensinando que ela não precisa ser submissa em lugar nenhum que frequenta. Isso deve ser agregado à cultura brasileira, dentro de casa, na escola e no trabalho”, avalia a especialista.

 

Fonte: Jornal de Brasília

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