Procurador-geral da República deve fazer as primeiras denúncias de parlamentares envolvidos na Lava-Jato ainda neste mês

BRASÍLIA – O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, criticou nesta segunda-feira o inquérito policial como instrumento para investigar crimes de corrupção e de colarinho branco. Ele disse que esse modelo está “esgotado” e defendeu a adoção de novos procedimentos de investigação desses crimes. Para Janot, a “cultura sectária e individualista” na condução de apurações precisa ser abandonada para melhorar os resultados de inquéritos abertos.

— Métodos clássicos, antigos, encontram-se esgotados, possuem pouca eficiência e efetividade para alcançar a criminalidade contemporânea, sofisticada, a chamada elite do crime. O inquérito policial, por exemplo, foi criado em 1871 e preservou suas linhas gerais — disse o procurador-geral.

Janot, que deve fazer as primeiras denúncias de parlamentares envolvidos na Operação Lava-Jato ainda neste mês, defendeu uma remodelação dos procedimentos de investigação criminal:

— Diante da escalada criminal cada vez mais complexa, informatizada e da necessidade da persecução a sofisticados grupos com elevado viés econômico e político, os procedimentos precisam ser revistos em face de seu desgaste profissional. Uma investigação, mais que uma atividade especializada, necessita de uma interação de expertises e articulação de ações.

O procurador-geral fez as críticas no início da tarde desta segunda-feira, na abertura de simpósio da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) que discute os resultados de uma pesquisa inédita sobre o andamento de investigações de crimes de corrupção e colarinho branco. Reportagem publicada pelo GLOBO no domingo revelou com exclusividade os resultados da pesquisa.

Apenas 27,7% dos inquéritos policiais concluídos no país resultam em denúncias à Justiça Federal. Em São Paulo, esse índice é de apenas 8,13%. No Paraná, onde se concentram os processos da Lava-Jato, a taxa de conversão em denúncias é de 31,09%. No Rio, 10.78%.

O ano usado como base para o levantamento foi 2012, o primeiro considerado confiável para uma análise estatística. Os pesquisadores constataram que a falta de obtenção de provas e a prescrição são as principais razões para o baixo índice.

A quantidade de denúncias é superior à de arquivamentos nos três primeiros anos de um inquérito. O “mau desempenho da investigação”, a “falta de integração entre policiais federais e procuradores da República” e a “ausência de articulação com organizações de fiscalização e controle” são razões apontadas para investigações ficarem pelo caminho, conforme a pesquisa “A investigação e a persecução penal da corrupção e dos delitos econômicos: uma pesquisa empírica no sistema de Justiça Federal”, patrocinada pela ESPMU e coordenada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

— É preciso pensar, discutir, fomentar e desenvolver procedimentos investigatórios compatíveis com enfrentamento à criminalidade internacional, cada vez mais sofisticada. É necessário deixar de lado a cultura sectária e individualista, as disputas simbólicas e lutar para que diversos órgãos públicos, dentro de suas especialidades, possam contribuir para a neutralização de crimes que corroem os alicerces do próprio Estado — disse Janot na abertura do simpósio.

O procurador-geral elogiou a iniciativa da realização da pesquisa, que pela primeira vez mapeou o andamento de inquéritos policiais abertos para investigar crimes de corrupção e de colarinho branco. Janot não citou os casos da Lava-Jato no evento.

— O esforço investigativo para o desvelamento do crime é extremamente complexo para ser alicerçado apenas na questão jurídica, no empirismo e na intuição. É necessário primar por investigação eficiente, priorizar o criminoso de colarinho branco — defendeu Janot.

DELEGADOS REAGEM

O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Ribeiro, reagiu à fala de Janot e à pesquisa da ESMPU que mostrou uma baixa taxa de conversão de inquéritos policiais em denúncias. O delegado disse existir “má fé” na interpretação dos dados e um “projeto de poder” na crítica do procurador-geral ao instrumento do inquérito policial.

– Existe má fé na interpretação de pesquisas nessa área. É falsa a premissa de que todo inquérito vai resultar em denúncia. Esse é um viés ideológico do Ministério Público. O índice de 27,7% é razoável, comparável com o que existe no mundo – afirmou Leôncio.

Segundo o presidente da ADPF, houve uma “deturpação ideológica com fins corporativos”.

– A Lava-Jato é a demonstração de que esse discurso não funciona. A crítica ao inquérito policial é para haver uma justificação de poder, como se quisessem dizer que o delegado é dispensável. A interpretação dada à pesquisa é no sentido de que atividade de investigação é um monopólio do Ministério Público – disse o presidente da ADPF.

O delegado sustentou que o índice de produtividade da PF é elevado, “um dos melhores do mundo”. Leôncio afirmou que as investigações de autoridades com foro privilegiado só não avançam porque existem limitações do Ministério Público ao trabalho da PF.

– Os procedimentos de investigação criminal do MP são cópias malfeitas dos inquéritos policiais, que eles dizem ser arcaicos. As taxas de resolução deles são as mesmas. Tudo que o MP aponta para a PF ele faz igual ou pior, com uma diferença: eu não escolho o que eu investigo – afirmou Leôncio.

 

Fonte: O Globo

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