Do Metrópoles
Há mais de dois meses, os 50 professores da Escola Classe 29 do Gama fazem reuniões pedagógicas sob a copa de árvores e em chão de terra batida. A exposição dos docentes ao sol e à poeira tem um motivo: liberar espaço para acomodar os cerca de 500 estudantes transferidos do Caic Carlos Castello Branco, no setor oeste da cidade, interditado pela Defesa Civil em 14 de maio por risco de desabamento.
Além de superlotado, o colégio não tem asfalto na maior parte de suas dependências, as instalações elétricas são velhas e a quadra poliesportiva não apresenta condições seguras para a prática de atividades físicas. Sucateada, a EC 29 retrata a realidade descrita em um relatório do Tribunal de Contas do DF (TCDF): de cada 10 escolas, pelo menos nove carecem de reformas médias ou grandes.
A informação é reforçada por um levantamento do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). O documento revela que, dos R$ 287 milhões previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) para a educação no primeiro trimestre de 2018, o GDF empenhou apenas 6% em reparos nas unidades de ensino espalhadas pela capital do país, índice que motivou críticas de uma das autoras do estudo, a procuradora distrital dos Direitos do Cidadão, Maria Rosynete de Oliveira Lima.
Esse dado revela o distanciamento do planejamento governamental da realidade, visto que nenhuma unidade de ensino pode ser reformada com apenas R$ 10 mil”, Maria Rosynete de Oliveira Lima, procuradora do MPDFT.
Nesta terceira reportagem da série DF na Real, o Metrópoles traz um retrato do descaso dos governantes com a educação. Nas duas primeiras matérias, os temas foram, respectivamente, saúde e segurança pública. A cada editorial, os 11 candidatos ao GDF serão questionados sobre o que eles pretendem fazer, caso eleitos, para solucionar os problemas. Confira, ao final do texto, os discursos dos políticos.
De provisória a permanente
Para confirmar os números apresentados pelos dois órgãos de fiscalização, o Metrópoles percorreu algumas das 671 instituições públicas de ensino do DF. Em Samambaia Norte, a Escola Classe 410 nem deveria estar de portas abertas. Em abril de 2018, a 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) condenou o GDF a reconstruir o colégio no prazo de um ano.
Inaugurada em 1990 de forma provisória, a unidade de ensino deveria funcionar somente por 10 anos, mas os sucessivos governos ignoraram as recomendações de engenheiros e mantiveram o espaço da mesma forma. Em dias de calor intenso, as salas ficam extremamente quentes em função do tipo de material usado. No inverno, ocorre o contrário: como parte das janelas fica permanentemente aberta em um dos lados da parede, o frio castiga estudantes e professores.
Ao explicar o descumprimento da decisão judicial, o atual governo alegou não ter recursos para investir na unidade de ensino. A justificativa não convenceu o magistrado responsável pela sentença. “O argumento de inexistência de dotação orçamentária específica para a realização da obra não pode prosperar, uma vez que, em decorrência do longo período em que a escola se encontra em condições de extrema precariedade, a solução definitiva do problema tem de ser tratada de forma efetivamente prioritária”, escreveu.
Não foram apenas os reparos que sofreram baixos investimentos no governo de Rodrigo Rollemberg (PSB). Dados do Sistema Integrado de Gestão Governamental (Siggo) apontam que a verba aplicada na área da educação caiu 44,39% nos três primeiros anos da atual gestão, se comparada ao mesmo período da administração anterior.
Entre 2011 e 2013, as escolas de ensino infantil, fundamental, médio e profissional receberam R$ 121,5 milhões. De 2015 a 2017, o montante caiu para R$ 67,5 milhões.
Sistema elétrico queimado e goteiras
Na Quadra 425, também em Samambaia Norte, outra escola funciona provisoriamente. Sobre um piso irregular, crianças com idades entre 6 e 12 anos tropeçam e se machucam. Em dias de chuva com vento, a preocupação gira em torno das telhas coloniais, que costumam se desprender e cair no pátio.
Afora isso, as aulas são frequentemente interrompidas por goteiras em sala. No último dia 9, o frágil sistema de fiação elétrica não resistiu a um raio, resultando na queima de boa parte das lâmpadas e das tomadas. Passados nove dias, o problema ainda não havia sido solucionado.
Mãe de aluno, a dona de casa Francisleide Aparecida Santana, 29 anos, confessa temer a ocorrência de acidentes nas dependências do colégio. “Alguma coisa pode cair, o teto desabar, mas fazer o quê? Temos de esperar o governo”, resigna-se.
No Gama, o fechamento do Caic por falta de manutenção acarretou transtornos para crianças e pais. Além de ficar quase 5km mais longe, os estudantes transferidos para a EC 29 perdem, em média, 30 minutos de aula todos os dias, pois são obrigados a sair mais cedo a fim de não perderem os ônibus escolares que os levam de volta para a região próxima ao Caic, onde a maioria dos transferidos reside.
Meu filho deveria ficar na escola até as 17h30, mas está saindo às 17h. A gente se pergunta até quando essa situação vai durar, pois é um período em que ele poderia estar aprendendo”, Marconi Júnior da Silva, 38, empresário e pai de um aluno de 9 anos.
Para os docentes, ministrar aulas em ambientes precários torna o processo de aprendizado desestimulante. Adriana Gonzaga, 37, é professora de alfabetização do 2º ano do EC 29 e mãe de Isabelly Letícia Gonzaga, 8.
“Como professora, não consigo desenvolver o trabalho como gostaria. Fica uma frustração por não termos condições dignas de trabalho. Como mãe, vejo minha filha perdendo um tempo precioso em longos deslocamentos de casa para a escola. É triste e decepcionante o governo dizer que estamos bem instalados”, desabafa Adriana.
Ferida em brinquedo
No Paranoá, a instalação inadequada de um parquinho na Escola Classe 01 fez uma criança quebrar o fêmur. O acidente ocorreu em abril de 2018 e motivou a Secretaria de Educação a substituir às pressas o brinquedo, que agora é todo de plástico.
A diretora do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF), Jucimeire Barbosa, acusa a gestão Rollemberg de ser negligente com a educação. Para ela, a ausência de uma política pública de manutenção permanente deixa a comunidade escolar vulnerável.
“A falta de reparos nas escolas nos traz uma preocupação imensa, pois atrapalha o desenvolvimento das atividades pedagógicas. O mais grave é que a situação não atinge apenas uma ou duas escolas. São várias com o mesmo problema”, diz Jucimeire.
O especialista em educação Luiz Gustavo Mendes ressalta que o espaço físico inadequado pode contribuir para severos prejuízos à formação de crianças e adolescentes. “As crianças estão em constante transformação muscular e óssea, e um ambiente que exija esforço para se enxergar um quadro ou carteiras que não permitam a acomodação linear da coluna podem trazer consequências graves, como dores na própria coluna ou em outras partes do corpo”, ressaltou o docente.
“Quando você atua em uma sala iluminada, com mobiliário adequado e ventilação, o estímulo à aprendizagem é multiplicado. Se essas condições são contrárias, certamente os resultados serão ruins”, destaca Mendes, que também é vice-diretor do Colégio Marista João Paulo II.
“Instalações indignas”
Para a titular da 2ª Promotoria de Educação (Proeduc), Márcia Pereira da Rocha, o governo demonstra dar pouca importância a um tema que influencia não apenas no aprendizado, mas também na integridade física dos milhares de professores e alunos da rede pública.
“A manutenção em dia e correta preserva o patrimônio, evita danos mais graves e demonstra preocupação real do Estado com a comunidade. Quando o governo deixa esse trabalho em segundo plano, contribui para que servidores e estudantes permaneçam em instalações indignas”, critica a promotora do MPDFT.
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