Do Metrópoles
Na denúncia apresentada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) contra o cartel de combustíveis, os agora réus na Justiça demonstravam influência junto ao governo para barrar propostas que contrariavam seus interesses. Em uma das conversas por WhatsApp, o então representante do setor, José Carlos Ulhôa, disse ter entrado em contato com o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) para impedir a instalação de postos no Plano Piloto.
Na troca de mensagens entre Antônio Matias, da Rede Cascol, e Ulhôa às 18h56 do dia 6 de fevereiro de 2015, o então presidente do Sindicombustíveis exibe ao seu interlocutor o que seria o conteúdo de uma conversa com o chefe do Executivo.
Ulhôa descreve o diálogo: “Governador, sinceramente, com esta quantidade de postos, a população já não está sendo atendida? Para que mais no Plano Piloto?”. Ainda de acordo com Ulhôa, a resposta de Rollemberg teria sido imediata: “Mandei suspender”.
Na denúncia, os investigadores mostram que estava em curso o Edital nº 01/2015 da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), em que seria licitado um lote na SQS 405 para a instalação de Posto de Abastecimento, Lubrificação e Lavagem (PLL).
Em outro trecho de conversa por WhatsApp captada do celular de Matias, do dia 23 de fevereiro de 2015, Ulhôa, do Posto dos Anões, diz: “Boa noite, amigo. Sua conversa com RR foi muito proveitosa. Suspenderam os assuntos relacionados a PLL. Estão assustados”. E, depois, completa: “Veio da Terracap”.
Em nota enviada ao Metrópoles, a Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap) informou que o lote da 405 Sul destinado à instalação de um posto de combustível já foi objeto de três licitações, sem que tenha havido qualquer oferta de compra. “O imóvel continua disponível para futuras inclusões em editais de licitação”, destaca a empresa.
Afirma, ainda, que entre 2015 e 2018, foram ofertados, por 27 vezes, lotes com destinação para postos, dos quais foram vendidos apenas três. Atualmente, há 209 áreas para postos de combustíveis disponíveis no DF.
Ibram
Os promotores de Justiça do Ministério Público mostram ainda que, para impedir a entrada de novos revendedores no Distrito Federal, o grupo criminoso monitorava a apresentação e tramitação de projetos de lei, especialmente os que permitiam a instalação de postos em supermercados. Em um documento encontrado na sede do Sindicombustíveis no âmbito da Operação Dubai, as propostas estavam detalhadas com a visão e as providências tomadas pelo sindicato junto aos parlamentares.
Em outro trecho da denúncia, José Carlos Ulhôa afirma a Antônio Matias, também denunciado pelo MP, ter agido junto ao Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e às administrações regionais para embaraçar a construção de um empreendimento imobiliário, identificado como Auto Posto Lus.
Cláudio Simm, também um dos 28 denunciados pelo MPDFT, expôs, por meio de conversa de WhatsApp, a preocupação do chamado cartel com a possibilidade de aumento de venda de etanol no Distrito Federal, e consequentemente a redução do volume de comercialização de gasolina. Ele pedia que a mensagem chegasse ao conhecimento do então secretário de Fazenda, Leonardo Colombini.
Simm, sócio-administrador da rede Gasolline, segundo os investigadores, se referia ao temor dos empresários do setor sobre a possível aprovação do projeto de lei (PL nº 142/2015), encaminhado pelo governo à Câmara, que alterava a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos combustíveis — de 25% para 19% para o álcool e de 25% para 28%, no caso da gasolina.
Acionada, a Subsecretaria de Comunicação Social do GDF não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem sobre o trecho que cita o governador, assim como Antônio Matias. A Rede Cascol, por sua vez, ressaltou que, em abril do ano passado, assinou um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o MP, “que vem sendo rigorosamente cumprido, reiterando o seu compromisso de respeito à livre concorrência, de renovação das suas práticas empresariais e de implementação de rigorosas políticas de compliance”. Já o Sindicombustíveis não quis se pronunciar.
Bloqueio de bens
Dois anos e meio depois de ser deflagrada a Operação Dubai, contra o cartel no setor de combustíveis do DF, 28 investigados viraram réus por crimes contra a ordem econômica e organização criminosa. A 1ª Vara Criminal de Brasília acatou, nessa segunda-feira (30/7), denúncia do Gaeco contra 15 donos de postos, além de gerentes e supervisores dos estabelecimentos e das distribuidoras.
A Justiça determinou ainda o bloqueio de bens dos acusados no valor de R$ 800 milhões. De acordo com o promotor Pedro Dumans, coordenador do Gaeco, o detalhamento do esquema montado para a uniformização de preços, envolvendo redes de postos e distribuidoras, foi possível graças ao acordo de delação assinado pelos empresários da Rede Cascol.
Estima-se que, apenas em 2014, o lucro ilegalmente obtido variou de R$ 800 milhões a R$ 1 bilhão. Na época, as investigações apontaram que a ação do grupo impactava em um aumento de até 30% no preço do combustível no DF.
Confira a lista dos denunciados:
Cláudio José Simm
Marcos Pereira Lombardi (Marcola)
José Carlos Ulhôa Fonseca
Antônio José Matias de Sousa
Marcello Donelles Cordeiro
Ulisses Canhedo Azevedo
Daniel Alves de Olveira
Isnard Montenegro de Queiroz Neto
Ivan Ornelas Lara
Rivanaldo Gomes de Araújo
Braz Alves de Moura
Odilon Roberto Prado de Souza
Ilson Moreira de Andrade
Marco Antonio Modesto
Abdallah Jarjour
Celso de Paula e Silva Filho
Paulo Roberto Marcondes
Alexandre Bristos Borges
Adão do Nascimento Pereira
André Rodrigues Toledo
Marc de Melo Lima
Valdeni Duques de Oliveira
Roberto Jardim
Cleison Silva dos Santos
José Aquino Neto
Valnei Martins dos Santos
Vicente de Paulo Martins
Adeilza Silva Santana