Do Jornal de Brasília

Jéssica Antunes

Eles ocupam espaços públicos, impedem passagens e se arriscam na disputa de ponto. Estima-se que oito mil pessoas trabalhem como camelôs nas ruas do Distrito Federal e, sem efetividade do Estado, apoderam-se do espaço público e criam um comércio clandestino sob os bigodes da fiscalização. O duplo homicídio em plena área central da capital do País escancara um problema social e de segurança pública. Após a tragédia, o cerco fechou e a informalidade praticamente desapareceu – ao menos no dia seguinte ao crime.

Policiais militares e fiscais da Agência de Fiscalização (Agefis) intensificaram a atuação em ambas as estações rodoviárias da área central e os ambulantes minguaram. Acuados, camelôs até transitaram com sacolas cheias, mas não se instalaram em pontos comuns durante todo o dia. As passagens ficaram livres para os pedestres que frequentemente precisam driblar os produtos expostos no chão.

De janeiro a julho deste ano, foram emitidos 209 autos de apreensão, com um total de 38.189 mercadorias apreendidas. No ano passado, foram realizadas 1.630 operações na área central, com 90 mil itens removidos das ruas. Nada disso é suficiente para coibir a ação da informalidade, que se espalha nas áreas com maior movimentação de pessoas. Lado a lado, as rodoviárias do Plano Piloto e do Entorno (no antigo Touring) recebem cerca de 500 mil pessoas diariamente.

Descontrole

O controle de ambulantes é basicamente inexistente, e os grupos disputam os pontos mais lucrativos. “No passado, fizeram transferência dos ambulantes do centro de Brasília para o Shopping Popular, mas lá não conseguem levantar um salário mínimo por mês e não atende a necessidade dos trabalhadores. Assim, muitos tiveram que migrar de volta”, alega o presidente da Associação de Ambulantes do DF, Luiz Coutinho. Ele defende regularização da profissão, com regras claras: “Não queremos ter que correr da polícia como se fôssemos bandidos”.

Especialista em Segurança Pública, Nelson Gonçalves aponta que o problema é de natureza sistêmica. Vai desde o caráter social, como desemprego, até a questão criminal, que pode se desencadear por diversos tipos de conflitos. “Qualquer indivíduo assume essa condição segundo sua própria necessidade. Como ocupam espaços que muitas vezes produzem bons resultados, começam a desenvolver algum tipo de disputa para ocupação daquele espaço diariamente. Isso não é segredo, é histórico”, atesta.

Gonçalves lembra que o correto seria que o governo tivesse controle ou prevenisse a presença dessas pessoas nas áreas públicas. “Os indivíduos não estão ali por natureza de segurança pública, mas a estadia pode gerar problemas. Há um conjunto de fatores extremamente oportunistas para ocorrências de conflito, incluindo, também, a questão de concorrência desleal com comerciantes formais”, afirma.

Oportunistas do crime

A Polícia Militar não atua na retirada de ambulantes. O papel é garantir a integridade dos fiscais na abordagem. Comandante da área, o major Cleomir diz que brigas entre camelôs acontecem com certa regularidade nos terminais, mas raramente são da intensidade do duplo homicídio. De acordo com ele, a presença deles cria um ambiente favorável a crimes.

As rodoviárias são “pontos quentes” de criminalidade e constantemente prisões são anunciadas pelas corporações, especialmente por roubo, furto e tráfico. Reincidências são recorrentes e a mesma pessoa chega a ser presa até 20 vezes. Em 15 dias, a operação Centro Legal deteve sete traficantes ali.

“Há oportunistas que se aproveitam da desordem da movimentação de camelôs e se infiltram para traficar e cometer pequenos crimes, como furtos de carteira e celular. Atentados contra a vida são fatos atípicos”, afirma o major.

Suspeitos estão foragidos

Para a Polícia Civil, não há dúvidas de que disputa por ponto tenha motivado a execução na Rodoviária do Entorno. “A Agefis não tem como estar lá 24h por dia. Acredito que há certa divisão informal entre eles e, por conta disso, acabou evoluindo para os crimes motivados por motivo torpe”, diz o delegado da 5ª DP, Rogério Oliveira.

Investigadores buscam Henrique Monteiro Gonçalves, 33 anos, e Geovana Gomes dos Santos, 32. Ela seria pivô da confusão que acabou em tragédia, teria escondido a arma, ajudado na fuga e desaparecido com os filhos. Mas os disparos teriam sido feitos pelo marido – que tinha mandado de prisão em aberto por roubo. Geovana aparece como autora em três ocorrências de lesão corporal, de 2014, 2016 e 2018, justamente em casos relacionados a pontos de vendas.

Na semana passada, ela teria começado uma briga com uma das vítimas que desencadeou toda a tragédia na quarta, quando Henrique foi à rodoviária armado. “Ele era conhecido por andar com faca, mas dizia que tinha arma em casa. Acreditamos que foi premeditado por ele ir ao local com a pistola. Ele chegou, se encontrou com uma das vítimas, que não deu atenção e deu alguns passos para trás, mas foi baleada”, disse o delegado.

Houve três disparos, uma em cada vítima. Maria Célia Rodrigues dos Santos, 38, e o filho Wellington Rodrigues, 22, morreram na hora. A terceira atingida, Kerolyn Ketlen Moreira, 19, está internada.

Saiba Mais

A polícia continua a busca pelos suspeitos e pede que informações sobre o paradeiro sejam denunciadas pelo disque-denúncia 197. Se condenada, a dupla pode pegar pena de mais de 30 anos de reclusão.

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