Prédio da Direção Geral da Polícia Civil do Distrito Federal (Foto: Lucas C. Ribeiro/Sinpol-DF)

Do Sinpol-DF

Acordamos nesta terça, 23, com a notícia da prisão dos ex-governadores Arruda, Agnelo e do ex-vice-governador Filipelli pela Polícia Federal (PF), suspeitos de desvios de recursos públicos na obra do estádio Mané Garrincha. A investigação deveria ter acontecido no âmbito da Polícia Civil do DF e as prisões também. No entanto, ao longo dos últimos anos, a Polícia tem atendido mais a interesses políticos do que aos interesses da sociedade.

A Operação Lava-Jato trouxe à tona algo que todos sabíamos: a corrupção é cultural no Brasil, afeta a todas as áreas do poder público e uma parte dos empreiteiros que vencem as licitações públicas. As prisões desencadeadas ao longo de mais de dois anos têm lavado a alma da população brasileira. Figurões são, finalmente, envolvidos no emaranhado de provas produzidas, as quais são divulgadas em horário nobre.

A Lava-Jato desenvolvida pela PF deveria não só servir de modelo para as demais polícias investigativas dos Estados e da Capital Federal: deveria ser o principal eixo de atuação dessas polícias. Mas isso não ocorre por vários fatores: apadrinhamento político e indicação política, falta de coragem no dever de agir (por medo de perder o cargo comissionado), conveniência ou conivência dos demais órgãos controladores e fiscalizadores.

O aparelhamento político das polícias civis sobrecarrega de trabalho a PF e muda o rumo da investigação estadual para o ladrão de galinhas, o crackeiro. Deliberadamente, os governantes, políticos habituais, deixam de repor os quadros e fazer investimentos nas polícias civis priorizando as polícias militares. Sem querer desmerecer o valoroso trabalho dos irmãos de farda, não é deles o trabalho de investigação de crimes complexos como a corrupção, lavagem de dinheiro, associação criminosa, evasão de divisas, crimes do colarinho branco, enfim.

No Distrito Federal não é diferente. Apesar de receber vultoso aporte de recursos federais para manter saneada a área de Segurança Pública da Capital Federal, o que menos se vê são investigações e prisões de gente envolvida em desvio de verbas públicas.

O Mané Garrincha custou R$ 1,5 bi, valor aproximado ao de 15 hospitais de Santa Maria (DF), que teve um custo de R$ 110 milhões. A suspeita de desvio é de R$ 900 milhões, conforme noticiado na imprensa. Enquanto dezenas de pessoas morrem nos hospitais ou baleadas nas ruas da cidade, maus gestores seguem incólumes em seus projetos de poder.

O diretor-geral da PCDF é um cargo de confiança dos governadores. Nessa condição, qual delegado-geral permitiria, de fato, investigar os crimes praticados por agentes políticos sob o comando de governadores corruptos? A resposta, de forma clara, foi dada hoje. Não foi a Polícia Civil do DF que prendeu os ex-governadores suspeitos de corrupção: foi a Polícia Federal, que não tem sobre si nenhuma ingerência da política distrital. A PF, debaixo do nariz da PCDF, fez o papel que a ela pertencia.

O apadrinhamento e a influência política na PCDF e o engessamento da investigação em crimes do colarinho branco não se dão apenas no comando da instituição. Ao longo dos anos, as delegacias de combate à corrupção e as delegacias circunscricionais perderam-se no foco e, hoje, “enxugam gelo” sem trazer qualquer resultado prático para a sociedade.

A Divisão Especial de Repressão ao Crime Organizado (Deco) e a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública (Decap), delegacias que deveriam estar à frente destas investigações, têm sido sucateadas de forma consciente, ano a ano.

A Decap teve papel coadjuvante na Operação Dracon, capitaneada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), e que só alcançou, coincidentemente, adversários do atual governador. A Decap não prendeu nenhum agente político, pelo menos nos últimos três anos. A Deco também. A impressão que temos é de que nunca houve corrupção em Brasília.

Além de esvaziadas, com equipamentos e veículos obsoletos, a percepção geral é de que as representações emanadas pelos delegados de polícia só avançam mediante a benção do diretor-geral. O pagamento de gratificação de chefia e a possibilidade de perda dela, nesse tempo de crise, também nos diminuiu e mudou nosso foco para a competição interna.

A Polícia Civil do DF precisa de mudanças ou caminhará rumo à extinção. A sociedade clama por um serviço eficiente, que lhe dê as respostas esperadas. Devemos deixar de ser o que nos transformamos: uma polícia de cabresto, uma polícia que investiga só o ladrão de galinhas.

Para alcançarmos reconhecimento e servirmos ao nosso mister, precisamos voltar a ser uma uma polícia de estado e deixarmos de ser uma polícia de governos. Cumprir nosso papel legal e constitucional é a nossa obrigação, pendendo apenas para os desejos da sociedade.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Concordo com o autor. Em Julho de 2007 eu era lotado na CPD/CGP e a Corregedora me encaminhou ao DEPATE a fim de ser lotado na “DECAP-Divisão Especial de Combate aos Crimes contra a Administração Pública” (nome pomposo), que estava sendo criada. Após muito empenho das equipes que lá trabalhavam (Delegados, Agentes , Escrivães e Promotores de Justiça) conseguiu-se juntar, até meados de 2009, material que provaria o envolvimento de algumas autoridades do GDF ( Governador, alguns Deputados Distritais e o Chefe do MPDFT). Acontece que já naquela época, o Diretor de nossa PCDF não poderia tomar ciência dos fatos a fim de não levar ao conhecimento do Governador. Isto feito e após o material ter sido entregue a PGR, STJ e a PF recebemos o castigo: “Fomos transferidos da referida DECAP e espalhados por outras delegacias do DF”. Por lá ficou alguns puxa-saco que queriam ser chefes de seção para receber a “tal gratificação”. Daquela época em diante, eu jamais ouvi falar que nossa PCDF investigou e prendeu políticos envolvidos em falcatruas no GDF. Além disso, já há algum tempo, os cargos de chefias, os quais recebem gratificações, são indicados por políticos ou pessoas influentes na sociedade. Isto já é prática corrente em quase todas as delegacias. A meu ver a única solução seria acabar com as “tão disputadas gratificações por chefias”. Dessa forma me parece, que o mais capaz seria indicado pelos próprios colegas para o cargo e consequentemente a nossa PCDF voltaria a ser uma polícia de Estado. Hoje verificamos uma disputa interna nas Dp’s pela famigerada gratificação.