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Pistola 24/7 é a mais usada pelas forças policiais do Brasil; lei prioriza compra de fabricante nacional (Fotos: Paulo Cabral/Arquivo Sinpol-DF)

Defeito nas pistolas PT 24/7 expõe os policiais civis do DF a mais um fator de risco à vida durante o trabalho

Profissionais da Segurança Pública de todo o país estão submetidos a uma situação desnecessária de risco: são cada vez mais comuns os casos de disparo acidental, por queda sem o acionamento do gatilho, das armas fabricadas pela Forjas Taurus – uma das três maiores indústrias de armas leves do mundo.

A empresa é a principal fornecedora das forças de segurança do Brasil – graças a Lei 10.826/2003, as polícias só podem comprar armas de empresas estrangeiras se não houver modelo semelhante produzida nacionalmente.

Por essas razões, seria natural esperar que o armamento produzido tenha qualidade. Mais que isso, soa estranho imaginar que uma pistola municiada possa cair e disparar. Mas é, infelizmente, o que vem acontecendo – e isso indica a possibilidade de um defeito gravíssimo na fabricação das pistolas da Taurus.

Site vitimas da Taurus - Paulo Cabral (16)
Site reúne depoimentos de vítimas e notícias de outros casos de disparo acidental

Uma simples busca na internet confirma essas suspeitas. A página “Vítimas da Taurus” é a mais conhecida. Ela lista uma série de casos de policiais que se feriram – em alguns casos, fatalmente – com a principal ferramenta de trabalho: a pistola Taurus PT 24/7 calibre ponto 40.

As vítimas defendem a tese de que as armas, entre as mais populares nas polícias brasileiras, tenham sido adquiridas com defeito de fabricação. A fabricante ignora, sistematicamente, as ocorrências no Brasil.

FABRICANTE IGNORA

No Distrito Federal, tanto a PCDF, quanto a Polícia Militar do DF (PMDF), compraram diversos lotes da pistola. Até agora, contudo, apenas a PMDF realizou o recall de alguns lotes junto à Forjas Taurus.

O agente de polícia Luciano Vieira, também diretor de Comunicação adjunto do Sindicato dos Policiais Civis do DF (Sinpol-DF), é uma das vítimas. Ele tem empreendido uma jornada para que a PCDF siga o exemplo de outras forças de segurança e realize a troca das armas – um exemplo é a Polícia Federal, que utiliza armamento importado de alta qualidade.

Essa medida já deveria ter sido considerada há anos, mas vem sendo solenemente negligenciada. O defeito nas armas utilizadas cotidianamente pelos policiais civis só agrava a situação das condições de trabalho.

O Sinpol-DF vem acompanhando o caso de perto e solicitando às autoridades competentes que se empenhem para que o policial possa trabalhar com segurança. “Todos estão com a vida exposta: nós, policiais, e os cidadãos. A arma aparenta ter um grave defeito de fabricação”, afirma Luciano.

O caso dele ocorreu em novembro de 2011, no apartamento onde mora, em Brasília. Ao chegar em casa e tirar a pistola da cintura, a arma de Luciano acidentalmente caiu no chão. O choque contra o piso causou um disparo, atingindo o policial na região do tórax. A bala atravessou o corpo dele saindo pelas costas, na altura do ombro, alojando-se no teto.

Luciano Vieira ficou hospitalizado por quatro meses. A partir desse acidente, o diretor do Sinpol-DF começou a investigar outros casos no DF e em outros estados, chegando a conclusões estarrecedoras.

CASOS NO DF

Além de Luciano, há registros de mais sete acidentes envolvendo policiais civis do DF – três deles com armas fabricadas no mesmo lote. Por sorte, nenhum desses se feriu gravemente.

Em todos, as circunstâncias são idênticas: mesmo com a trava de segurança acionada, a arma cai ao solo, dispara e o cartucho não é ejetado – o que indica o defeito.

Às vezes, contudo, a pistola nem chega a cair no chão. Foi assim com o agente de atividades penitenciárias Patrício Junior de Oliveira, que trabalha no Presídio Feminino do DF. Em abril deste ano, a pistola 24/7 Taurus que ele portava disparou durante uma caminhada do agente pelos alojamentos.

A bala atingiu a perna esquerda, perto da veia femoral. O acidente trouxe sequelas graves. “Esses casos são mais raros, mas acontecem. A arma estava na minha cintura; eu estava com as mãos ocupadas e ela disparou apenas com o movimento da minha caminhada. Por pouco, não morri”, recorda Patricio.

METODOLOGIA DA PERÍCIA

A arma do agente penitenciário foi submetida à perícia no Instituto de Criminalística (IC) da PCDF, que constatou um defeito no mecanismo de disparo. O equipamento ficou inutilizado após os testes.

“Esse fato é uma vitória, pois somente agora, com a mudança na metodologia da realização dos testes, começamos a constatar os defeitos nas armas”, explica Luciano Vieira.

Já Patrício diz que não sabia da possibilidade do disparo acidental até ocorrer com ele. “Muita gente deixa de registrar a ocorrência porque não acredita que a arma possa ter defeito e por medo de responder a um processo criminal. Minha competência profissional foi posta em xeque por colegas, que desconfiavam do que ocorreu. Mas o laudo já apontou que a arma possui defeito e pode disparar
sem o acionamento do gatilho”, confirma.

No final do ano passado, uma agente da Polícia Civil do DF foi retirar a sua roupa do armário e a pistola, que estava por cima das roupas, caiu no chão disparando sem o acionamento do gatilho.

Felizmente, na ocasião, ninguém ficou ferido. Após os testes realizados no IC, a conclusão foi a que se esperava: a arma, ao cair com o cano voltado para cima, em um piso de concreto, disparou. Os peritos não indicam a causa do defeito.

Existem, ainda, casos documentados de disparo por quedas em outros estados e com diferentes tipos de pistolas, como a PT 640 e a PT101.

MUDANÇA NOS TESTES

Até o caso de Patrício e da agente da Polícia Civil, a perícia simulava a queda em uma placa rígida de plástico. Por não reproduzir a situação real do acidente, conforme defendia Luciano, não era possível identificar o defeito. Só depois da mudança na metodologia, com o uso do piso de concreto, as armas começaram a disparar – e foi assim em todos os testes realizados até agora.

Nem mesmo os peritos do IC sabem apontar o defeito ou o motivo do disparo. A alegação é de que seria necessária a formação de uma equipe de estudiosos para avaliar o possível defeito.

Todos os casos analisados estão documentados. As armas estavam devidamente lubrificadas, sem sujeira excessiva ou peças defeituosas.

REGISTRO DE OCORRÊNCIA

Luciano Vieira, diretor do Sinpol-DF, defende que a realização de um recall é absolutamente necessária e urgente, pois não faltam “evidências da existência do problema”. Ele informa que toda documentação dos defeitos detectados já foi encaminhada ao Ministério Público para que as providências cabíveis sejam adotadas.

O Sinpol-DF alerta para que os policiais que tiverem problemas registrem uma ocorrência de natureza administrativa (caso não tenha algum ilícito penal envolvido) de “apreensão de arma de fogo da PCDF com problemas técnicos” e solicite o exame pericial de local caso haja vestígios. O armamento deverá ser encaminhado à perícia.

ACORDO MILIONÁRIO 

Em agosto deste ano, a Taurus fez um acordo para pagar uma indenização de US$ 39 milhões por causa de disparos acidentais por queda, sem o acionamento do gatilho (leia aqui, em Inglês). O caso envolveu, além do PT 24/7, os modelos Millennium PT 111, PT 132, PT 138, PT 140, PT 145, PT 745, além dos PT 609 e PT 640. A ação foi movida em um Tribunal na Flórida, registrada por Chris Carter, um policial do condado de Scott, Iowa.

À imprensa americana, Carter alegou que as armas da Taurus “têm o defeito de disparar quando caem de uma altura normal, e um defeito de falsa segurança que permite que a pistola dispare involuntariamente, mesmo quando a alavanca de segurança manual está em posição “ligada” ou de segurança e o gatilho se move para trás”.

A ação acusou a Taurus de supressão e falhas de aviso sobre a segurança do produto e violação das leis do consumidor. Na decisão, o juiz ressalta que a fabricante “fraudulentamente escondeu e intencionalmente falhou em avisar o requerente e os membros da ação coletiva sobre os defeitos de segurança com a intenção de enganar o requerente, os membros da ação coletiva e o público em geral sem conhecimento dos defeitos”.

A empresa não admite publicamente o defeito, mas o acordo na justiça americana indica que ele é real e deve ser investigado também no Brasil, onde a linha de montagem está instalada e produz as armas para os mercados nacional e internacional. Em uma matéria do Instituto Defesa, disponível no YouTube, contudo, o gerente de marketing da Taurus, Eduardo Minghell, diz reconhecer a existência de problemas no passado e de falhas pontuais nos produtos da fabricante.

Matéria publicada originalmente na Edição nº 05 da Revista Sinpol-DF.

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