Reportagem de capa da Revista Sinpol-DF aborda saúde mental na PCDF (Foto: Heloísa Abreu/Sinpol-DF)

Da Comunicação Sinpol-DF

O Governo do Distrito Federal (GDF), após uma decisão do 1º Juizado Especial da Fazenda Pública do DF, publicada na última terça, 24, terá que garantir o atendimento de um policial civil em risco de suicídio. A ação foi movida pelo Sinpol-DF.

O caso veio à tona no mês passado, quando a família do policial civil procurou o sindicato relatando sobre o grave estado psicológico dele e trazendo a documentação com a indicação de internação urgente, sugerida pela policlínica da PCDF.

Na última edição da Revista Sinpol-DF foi feita uma abordagem sobre a saúde mental dos policiais civis, que mostrou, em matéria de capa, como a atuação da Polícia Civil do DF (PCDF) tem falhado com os servidores quanto ao tratamento e, sobretudo, à prevenção de doenças mentais.

A reportagem denunciou a falta de suporte da instituição às necessidades indicadas pela própria Policlínica para esse policial civil. Segundo o laudo de psiquiatria apresentado no último mês de junho, o servidor estava com “humor depressivo, apático, com risco de autoextermínio”. Na ocasião, foi indicada a internação psiquiátrica, mas, para isso, a família recebeu apenas a documentação de encaminhamento.

A Policlínica não dispõe dos recursos necessários para o tratamento que indicou, pois faz apenas o atendimento com consultas mensais psiquiátricas para a prescrição de medicamentos ou psicológicas periódicas, conforme o caso, não tendo sequer uma clínica como suporte. O policial sem plano de saúde e sem possibilidade de buscar uma clínica conveniada – como disponível nas demais forças de Segurança Pública –, tem como a única opção arcar com todos os custos de uma internação em clínica particular. O sindicato foi, então, acionado e judicializou a questão.

Na decisão, a juíza Ana Maria Ferreira lembrou que a Constituição Federal assegura a saúde como direito de todos e dever do Estado. Ela estabeleceu o prazo de cinco dias para que o GDF forneça “internação em hospital psiquiátrico, por prazo não inferior a 60 dias, nos termos do relatório médico, em qualquer hospital da rede pública de saúde, conveniada ou contratada ou, em caso de indisponibilidade, que o faça às suas expensas, junto à rede privada de saúde”.

Policlínica possui apenas atendimento clínico; sindicato acionou a Justiça para assegurar internação de policial civil (Foto: Paulo Cabral/Arquivo Sinpol-DF)

PREVENÇÃO

Para o sindicato, a necessidade de acionamento da Justiça nesse caso, demonstra, de forma clara, a precariedade do atendimento à saúde dos policiais civis. Hoje, a Policlínica não conta com estrutura para atendimentos mais complexos, nem com servidores suficientes para desenvolver um amplo trabalho de prevenção. Como consequência, cresce cada vez mais o número de policiais civis que enfrentam transtornos mentais sem buscar ajuda.

A matéria da Revista Sinpol-DF buscou justamente trazer à luz essa situação, tanto a fim de cobrar da PCDF uma atuação mais assertiva, quanto estimulando o diálogo entre os policiais. O objetivo era evitar que casos de suicídio se repitam no seio na categoria – como o que ocorreu recentemente.

Desde que a última edição começou a circular, inúmeros policiais civis comentaram da pertinência do tema da publicação. Com a morte do agente de polícia Espedito Costa, que tirou a própria vida na véspera do aniversário de 53 anos, por causa de uma depressão, a comoção tomou conta de toda a categoria e mais relatos vieram à tona.

“Eu mesma tive depressão por mais de 15 anos e somente Deus, na sua infinita misericórdia, não me deixou cometer suicídio, que por muitas vezes pairou sobre meus pensamentos”, admite a papiloscopista Rosemeire que buscou ajuda e fez o acompanhamento psicológico na Policlínica por muito tempo. “Infelizmente a doença do século, a depressão, está ceifando muitas vidas de uma maneira extrema. Virou uma questão de saúde pública”, analisa.

“Estou, aos poucos, me reinserindo socialmente, mas tenho grandes sequelas da vida policial: não durmo bem, não confio em quase ninguém e tenho receio de ficar saindo”, compartilha a agente de polícia aposentada Rosiane. “Nossa vida é restrita. A falta de apoio e ajuda da instituição nos torna reféns. Vejo muitos amigos com depressão que são hostilizados por chefes e colegas”, criticou.

Na mesma linha, a policial civil Claudia Carvalho lembra que os problemas psicológicos e psiquiátricos ainda são tidos como “frescura”, o que limita o apoio que essas pessoas necessitam. Ela ressalta, por outro lado, que “é muito importante falarmos, encontrarmos alguém em quem confiamos para desabafarmos e, acima de tudo fortalecer a fé, e buscar ajuda”, ressalta.

DIÁLOGO

“Acho muito importante nos apoiarmos. Saber que podemos discutir os problemas, desabafar sobre tudo: trabalho, filhos, educação, política, aposentadoria”, defende outra policial que preferiu não ser identificada. “Para quem está passando por problemas difíceis, isso é muito importante, principalmente quando bate a depressão, tão comum no nosso meio”, acrescenta.

A dificuldade de compartilhar com a família, ou mesmo com os colegas o que está acontecendo no trabalho e lidar com sentimentos mal resolvidos, no entanto, é algo comum entre os policiais. “É muito difícil se manter saudável sendo policial, tanto física quanto psicologicamente. Nosso dia a dia é lidando com o pior do ser humano, vemos e interagimos com situações inimagináveis”, analisa revela Valéria Benini

“Também nunca falei com meus familiares sobre as coisas terríveis que tive que presenciar nesses 25 anos”, revela a policial. “Temos que buscar auxílio, buscar alguém para conversar, para dividir tudo isso. Sei que há muito preconceito com relação a ajuda de profissionais, pois não queremos parecer fracos, mas esse pensamento tem que mudar. Precisamos de ajuda, amparo, empatia”, acrescenta.

“Meu companheiro perdeu o primo e melhor amigo com menos de 30 anos, que também era da PCDF. Ele se suicidou e não deixou bilhete, nada, explicando o porquê. Até hoje, meu companheiro se tortura por não ter percebido nada e não saber o motivo de o primo ter se matado”, conta Valéria.

“Eu conheço bem de perto a dor e o dano causado nos familiares quando alguém comete o suicídio, pois já passei por isso duas vezes em minha família”, relata Celma Lima, policial civil aposentada e diretora de Comunicação do Sinpol-DF. “Em 2014 o meu primo se suicidou dentro da 31ªDP e no final do ano passado um dos meus irmãos também desistiu de viver, e o fez na frente dos meus pais idosos. A dor de quem fica é avassaladora e estou em tratamento psicológico há algum tempo na Policlínica”, admite.

“Meu primo amava ser policial e tinha orgulho de pertencer à PCDF, mas não suportou o sofrimento de passar por um processo administrativo disciplinar e entrou em depressão”, conta Celma. A esposa dele foi uma das entrevistadas pela Revista do Sinpol-DF. Para ela, “a resistência em admitir fraquezas” foi uma das causas do suicídio do seu esposo, que desde 1996 integrava os quadros da PCDF.

DIFICULDADES

“O ambiente policial reflete parte da hostilidade encontrada nos problemas sociais com os quais lidamos diariamente nas ruas”, analisa a policial civil aposentada Eline Teixeira. “O aparato de apoio psicológico do Estado durante a carreira inexiste, e ao aposentar a maioria se sente à margem, sem o devido reconhecimento, campo aberto para a depressão num contexto de caos social”.

Eline recorda, ainda, o episódio de suicídio de um colega em 2015, o também papiloscopista Ubiratan, com quem trabalhou no plantão, e que, após a aposentadoria, entrou em depressão. Ela sugere que sejam colocadas em prática ações que busquem “forçar todo gestor a atuar de forma preventiva” e cobra também do sindicato que busque soluções práticas para policiais civis, “pois falar sobre depressão apenas não resolve”.

“A melhor ação social é a mobilização em busca de melhores condições de trabalho, busca de um ambiente mais acolhedor, sem o assédio moral que ficou corriqueiro”, defende Eline. “A desconstrução do eu é o encaminhamento que induz ao suicídio e não se observa isso. Não somos super-heróis”, enfatiza.

A agente de polícia Giordana Garcia conta que presenciou uma colega tirar a própria vida na 21ª DP, em Taguatinga Sul. Mesmo tendo trabalhado com homicídios, ela afirma: “foi a cena mais chocante que vi nessa vida. Ela deixou duas crianças, foi muito triste”. Giordana reconhece que a equipe teve apoio psicológico depois do fato, mas pondera que a prevenção seria o melhor caminho. “Penso que podemos olhar mais para o colega e perguntar se está bem, se precisa de algo. Um pouco de atenção ajuda e muito”, conclui.

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