Do Metrópoles
Um grupo de empresários brasilienses foi surpreendido pela Polícia Civil na manhã de quinta-feira (24/10/2019). Os agentes e delegados investigam desvio de pelo menos R$ 240 mil de recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, e de administrações regionais. A fraude teria começado em 2010, na gestão de José Roberto Arruda (PL), e se estendido até 2014, na de Agnelo Queiroz (PT).
De acordo com as investigações, os produtores musicais receberam verba para produzir dois shows que não foram realizados: um era voltado para a cultura hip-hop, e outro seria um evento gospel. A ação, batizada de Operação Dark Stage, teve apoio do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
Foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão em casas localizadas no Paranoá e em São Sebastião. Em uma das residências, a polícia encontrou munições e deteve um indivíduo em flagrante. Um ex-diretor do FAC teria participação no esquema e também foi alvo da operação. A Polícia Civil não divulgou os nomes dos investigados.
“A suspeita é de que havia fraude na licitação. Queremos comprovar se os investigados compunham um mesmo grupo e simulavam concorrência. Os materiais apreendidos hoje devem nos auxiliar. Foram recolhidos documentos e celulares”, detalhou o delegado Ricardo Uchôa, da Divisão Especial de Repressão à Corrupção (Decor). “Além das licitações, também investigamos outras irregularidades em que eles podem estar envolvidos”, completou.
Investigação
O bando é investigado por envolvimento na apropriação indébita de R$ 240 mil, à época. De acordo com a Polícia Civil, o FAC liberou verbas públicas para a realização dos dois eventos fantasmas. “Diversas outras irregularidades foram apuradas com base em um relatório de auditoria especial da Controladoria-Geral do Distrito Federal, entre os anos de 2010 e 2014”, detalhou o delegado Wenderson Souza e Teles, que também conduz a investigação.
As irregularidades vão desde contratações por inexigibilidade de licitações – em cujos projetos básicos constavam as indicações dos artistas, com os respectivos valores a serem contratados, evidenciando flagrante direcionamento de contratação – até a descoberta de processos administrativos nos quais se verificou que representantes de empresas supostamente concorrentes agiram, de forma fraudulenta, para dotar a proposta vencedora de simulado caráter vantajoso.
Os policiais analisam documentos utilizados com intuito de justificar os preços dos cachês de artistas contratados, lesando o erário público em diversas contratações. Os crimes investigados são: peculato, falsidade documental e fraudes licitatórias. O Ministério Público informou que já entrou com diversas ações de improbidade administrativa contra envolvidos em irregularidades na contratação de artistas. Até o momento, foram obtidas nove condenações. Outros processos aguardam julgamento pela Justiça.
Segundo o promotor Bernardo Matos, da Promotoria de Justiça Regional de Defesa dos Direitos Difusos (Proerg), “a investigação da PCDF é importante porque pode trazer elementos novos para esclarecer o contexto mais amplo em que aconteceram as inúmeras irregularidades ocorridas na contratação de serviços artísticos pelo GDF”.
Contratos
O Relatório de Auditoria Especial nº 5/2014 da Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) constatou irregularidades com recursos do FAC entre 2011 e 2013. Nesse período, foram gastos R$ 221.609.511,73 com a contratação de artistas. Quase todos sem licitação.
Para que seja possível dispensar a concorrência pública, a Lei nº8.666/93 determina que o artista seja “consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública”. O que se verificou, no entanto, segundo o MP, é que muitas das contratações eram direcionadas: o artista era escolhido para beneficiar a empresa que o representava, mesmo que sua carreira não justificasse a dispensa de licitação.
Segundo a mesma lei, para que a inexigibilidade de licitação seja possível, a contratação deve ser feita diretamente com o artista ou empresário exclusivo. O relatório da CGDF, por outro lado, aponta que os contratos desse período eram firmados por empresários sem vínculo permanente com o artista.
De acordo com as investigações, em algumas situações, o mesmo artista teve dois empresários diferentes no mesmo fim de semana, o que contradiz a ideia de exclusividade. No caso de artistas de expressão nacional, havia autorização para que outras empresas os representassem apenas em eventos ou períodos específicos. Essa intermediação seria usada para aumentar o valor dos acordos firmados e beneficiar o suposto empresário local do artista.
Outra exigência legal é a realização de pesquisa de preços exaustiva e a comparação entre cachês de artistas de consagração semelhante. Em diversos contratos analisados, os orçamentos apresentados para comprovação do valor pago continham evidências de terem sido forjados com o objetivo de aumentar ilegalmente as quantias recebidas. Também não havia justificativa para datas, locais, público ou artistas escolhidos.
O nome da operação, em inglês, significa “palco escuro”, em alusão às irregularidades e crimes investigados, que manchariam as atividades e eventos culturais realizados sob essas circunstâncias.
Nota da Secretaria de Cultura
Em nota, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa informou estar à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos e que contribui com as investigações.
A pasta lembra que o FAC é o principal instrumento de fomento à cultura do Distrito Federal e contempla, anualmente, centenas de projetos e ações em diversos segmentos. “A secretaria tem trabalhado na construção de mecanismos eficazes para aferição da prestação de contas, e indicadores de medição de impacto social e econômico dos projetos a fim de garantir que este e outros mecanismos tenham pleno funcionamento dentro dos parâmetros legais”, destacou.
Ainda de acordo com a secretaria, é preciso esclarecer que o FAC tem papel fundamental na promoção da difusão cultural e da preservação do patrimônio, e que possíveis irregularidades em projetos isolados não comprometem a relevância do fundo para a economia criativa do DF. Somente em 2019, o FAC tem à disposição cerca de R$ 69 milhões.