O déficit do quadro de pessoal da Polícia Civil prejudica a população e tem causa específica: má governança. É o que o Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol-DF) e a comissão de aprovados no último concurso para a PCDF constatam após levantar – segundo eles, com dados da diretoria da corporação – que faltam 4,7 mil servidores para todos os cargos.

“Houve inversão na função principal do Fundo Constitucional”, afirma o presidente do Sinpol, Rodrigo Franco. “Ele foi criado para atender, inicialmente, a segurança pública e subsidiariamente a saúde e a educação. Hoje, abocanhamos apenas 45%, quando deveria ser mais de 51%. É a teoria do cobertor curto. A gente sabe da situação nas outras áreas, mas aí foi criado mais um problema”, acusa.

Segundo ele, o déficit foi provocado pelas nomeações em quantidade insuficiente desde 1993, quando uma lei distrital determinou um contingente de 5,9 mil servidores para atender à população da época, 1,6 milhão, quase metade em relação à atualidade. Desde então, o quadro da corporação, em vez de acompanhar o crescimento populacional, reduziu. O reflexo disso é sobrecarga dos profissionais e atendimento, por vezes, insatisfatório para a população.

Ocorrência simples

O casal Márcio Sibat, motorista particular de 42 anos, e Simone Marques, telefonista de 33, passou quase uma hora na 3ª Delegacia de Polícia (Guará II), na tarde de ontem, para conseguir registrar “uma simples ocorrência de batida de carro”. “São quatro computadores, mas só vejo dois atendentes. Estamos esperando aqui e minha mulher está grávida”, reclamou o marido, preocupado.

Eles pararam o carro em uma faixa de pedestres e foram atingidos por trás, conta Márcio. Os seguros foram acionados e eles rumaram à DP. “Preferimos registrar pessoalmente, porque podemos contar a história direito. A gente quase não vem a delegacias”, comentou Simone, que reclamou da falta de indicações de atendimento preferencial no local.

Passados quase 40 minutos, o saguão ficou cheio e mais um policial passou a atender. “Podiam distribuir senhas. É um troço muito desorganizado, porque temos que chegar e perguntar quem é o último da fila, e às vezes a gente se confunde”, completou a telefonista.

Destinação do Fundo Constitucional

Procurada, a Secretaria de Fazenda não respondeu a respeito da destinação do Fundo Constitucional nem seu valor. Mas a Lei 10.633, de 27 de dezembro de 2002, determina que “será de R$ 2,9 bilhões, corrigido anualmente pela variação da receita corrente líquida da União”. Hoje, o valor gira em torno de R$ 12 bilhões, segundo divulgado pela OAB-DF em janeiro deste ano. Parte desses recursos financiam toda a estrutura de segurança do DF, que ainda inclui Polícia Militar e Corpo de Bombeiros.

Desta forma, a contratação de novos profissionais não teria qualquer impacto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – ao menos é o que uma comissão de aprovados no último concurso da Polícia Civil alega.

“Não há empecilho técnico, porque as nomeações seriam pagas pela União. Então, hoje está na opção do governador querer fazer ou não. Ele não faz por decisão política, pensando num possível transbordo do Fundo Constitucional (para Saúde e Educação)”, acusa um representante do grupo, Diogo Soares Dias, de 28 anos.

Dedicação só trouxe prejuízo

Diogo Soares Dias, de 28 anos, é afetado pela não convocação de 475 aprovados, segundo a comissão do grupo, no concurso homologado no ano passado, cujo edital e prova foram realizados em 2013. “Eu era empresário e fechei meu negócio, porque é preciso se dedicar exclusivamente à polícia. Teve gente que largou emprego em órgão público na expectativa de assumir o cargo”, expõe Diogo.

O quadro se torna ainda mais preocupante, pois, mesmo que todas estas pessoas fossem chamadas para integrar a corporação – sendo 400 agentes e 75 escrivães – , o déficit atual poderia ser ainda maior ao fim do ano, devido às aposentadorias. De acordo com a Divisão de Comunicação (Divicom) da PCDF, até 675 servidores podem se aposentar em 2015.

“Esse tipo de coisa desmotiva um pouco o pessoal (que espera ser chamado)”, afirma Diogo. “A Polícia Civil, hoje, infelizmente, não atua como deveria, apenas trabalha em cima do que é urgente. Isso desestimula até mesmo a população e eles não registram mais ocorrências”, analisa.

Vítima faz “plantão”

O empresário Antônio Mariano Caixeta, 59 anos, afirma ter registrado cerca de 30 ocorrências nos últimos meses relativas a ameaças e atentados que sofre na chácara onde mora, no Lucio Costa. Segundo ele, o portão está “cravejado de balas” e invasores de terras, motivo de ação judicial movida por ele no ano passado, estariam dizendo que ele iria morrer.

“O último atentado que sofri foi há dez dias. Desde então meu carro está na delegacia, com um pneu no porta-malas cheio de bala”, diz o homem. Com dificuldade de locomoção por ter sobrevivido a três acidentes vasculares cerebrais, ele diz precisar do carro, automático e adaptado. “Também não fizeram perícia na minha casa. Meu portão está ‘chumbado’ de tiro há um tempão, é só irem lá”, reclama.

Ele diz entender a situação difícil vivida pela polícia, mas, como cidadão, se sente no direito de cobrá-los. “Sei que faltam profissionais para ajudá-los. A gente liga e eles respondem que estão vindo, mas isso não acontece”, relata.

Sua tática foi visitar a delegacia ou cobrar as autoridades todos os dias. Ontem, enfim, ele conseguiu entregar os documentos do veículo baleado. “Se falta efetivo, que me falem de uma vez, pois eu ficaria mais tranquilo. O problema é que nunca avisam”, indigna-se.

“Existe déficit em todos os cargos e isso tem dificultado o atendimento nos balcões e gerado demora nas investigações”, explica o presidente do Sinpol-DF, Rodrigo Franco. Para ele, o efeito negativo a longo prazo é inevitável. “A gente não consegue concluir as investigações a tempo e isso gera impunidade”, expõe.

Fonte: Blog Donny Silva

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