Convocação de aprovados e novo concurso não atenderão à demanda. Direção estuda nomear 475 pessoas entre maio e dezembro deste ano.
Dados da Polícia Civil do Distrito Federal apontam que a corporação tem um déficit de 47% no efetivo e que nem mesmo a convocação de todos os aprovados no último concurso e a contratação do previsto nos certames em andamento atenderiam à demanda. A instituição conta atualmente com 4,7 mil membros, quando o estipulado em 2013 pela Presidência da República, que repassa verba à segurança pública do DF por meio do Fundo Constitucional, deveria ser 8.969 servidores. O número também é menor do que o preconizado por lei distrital de 1993, que determinava em 5.940 o número de servidores naquele ano para atender a população de então 1,6 milhão de habitantes.
O Executivo diz reconhecer a situação, mas destacou que a “grave situação financeira” do governo não pode ser desconsiderada quando se fala em novas nomeações. Dos R$ 1,7 bilhão destinados este ano à entidade por meio do Fundo Constitucional, R$ 1,6 bilhão será usado para pagamento de salários. O restante do dinheiro é voltado à manutenção de carros e equipamentos e ao custeio das atividades, como compra de gasolina, papéis e canetas. A verba extra que pode ajudar na recomposição do quadro depende de aumento na arrecadação.
Todos os sete cargos da Polícia Civil – delegado, perito criminal, médico legista, agente de polícia, escrivão, papiloscopista e agente penitenciário – têm defasagem. Percentualmente, as maiores são de papiloscopista (63,3%) e médico legista (63,1%). O novo concurso prevê 50 vagas para a primeira função e 20 para a segunda, mas as quantidades não correspondem às necessidades: 132 e 101 servidores, respectivamente. A menor carência é de delegados (41,1%) e também não vai ser resolvida com a seleção – são cem vagas abertas, mas a deficiência é de 247.
No caso dos agentes de polícia e dos escrivães, os déficits são de 44,45% e 53,9%. A Secretaria de Gestão Administrativa e Desburocratização informou que foram convocados 641 candidatos para ambos os cargos na seleção feita há dois anos – 50% além do previsto. Outros 475 aprovados chegaram a fazer o curso de formação e aguardam convocação.
O diretor-geral da Polícia Civil, Eric Seba, disse ao G1 que negocia com o governo para que essas nomeações ocorram de forma escalonada entre maio e dezembro de 2015. “A gente não pode perder essa oportunidade, porque são profissionais que já fizeram o curso, ou seja, houve investimento do Estado neles, e há necessidade. A gente entende que o governo Rollemberg pegou um estado com seríssimas dificuldades financeiras e precisa equacionar todo esse contexto de descontrole, só não podemos deixar a coisa acomodar.”
O gestor explica que existem mais motivos para acelerar as nomeações. O primeiro deles tem a ver com o fato de que novos concursos só poderão ser abertos quando todos os aprovados forem chamados ou a vigência do atual expirar, em junho de 2016. O segundo está relacionado às aposentadorias: 75 já foram homologadas, outras 300 devem ser autorizadas até o final do ano e há 304 servidores com tempo suficiente de serviço e que podem pedir o desligamento a qualquer momento.
“Temos muitos servidores que têm tempo de aposentar e estão no abono, que chegaram a pedir para aposentar e nós pedimos para ficar, porque sem eles a polícia para. Hoje talvez o mais crítico seja [o quadro de] delegado, que tem uma boa parte do pessoal no abono-permanência. A gente sabe que não acontece assim, mas, se todo esse pessoal decidisse se aposentar hoje, teríamos entre 30% e 40% da Polícia Civil sem comando”, declarou.
“Sobre a Polícia Civil posso falar, nosso caixa foi deixado zerado”, completou Seba. “Parte do salário de dezembro foi paga com o orçamento de janeiro, porque remanejaram metade do que a gente tinha, que era R$ 128 milhões, para outra área. A crise é real. Mas o governo está seriamente empenhado em resolver. Já pedimos o impacto da contratação desse grupo, gira em torno de R$ 20 milhões. O valor não chega a ser tão alto. Se não tivesse tido esse corte no final do ano, teríamos convocado.”
Policiais relatam que a situação tem prejudicado o serviço nas 31 delegacias circunscricionais e 15 unidades especializadas. Entre os principais problemas está a demora no registro das ocorrências e na realização de perícias. Principal função da entidade dado o caráter judiciário, a apuração de crimes também estaria impactada por causa do baixo efetivo.
O presidente do sindicato da categoria, Rodrigo Franco, diz que alguns plantões têm contado com apenas três profissionais, quando o ideal seria ter oito. “Todas as delegacias passam por déficit de pessoal. A mais prejudicada é a sociedade, que tem tido um atendimento precário, mas não por causa dos policiais, que têm se sacrificado.”
Um estudo feito pela comissão dos agentes e escrivães aprovados no último concurso destaca outras consequências da manutenção do efetivo reduzido: cidadãos desistem de fazer queixas por causa da lentidão nos balcões, levando à subnotificação de crimes e afetando os planejamentos da Secretaria de Segurança Pública, e danos ao erário público, porque a análise de infrações como lavagem de dinheiro, corrupção e improbidade ficaria em segundo plano.
O diretor-geral afirma que os servidores atuam de forma a “minimizar os estragos” e que todas as atividades são executadas. “Hoje a gente não consegue fazer da forma como deveria, simplesmente por falta de policial. A gente posterga as situações, chama equipe de sobreaviso. Não é que não se dê solução para a coisa, mas é que não é o ideal.”
A ideia, segundo ele, é otimizar o trabalho. “Ao invés de fazer ações pontuais a gente tenta fazer um ‘ataque’ em uma situação macro. Exemplo? A gente tem cinco, seis ou oito ocorrências em uma determina região que estão envolvidas em um mesmo tipo penal, por exemplo, roubo a transeunte. Em vez de a gente investigar ocorrência por ocorrência, a gente busca as que têm similaridade, porque a probabilidade de o autor ser o mesmo é grande. A gente faz um trabalho de inteligência, equaliza as atuações no que for mais ou menos semelhante.”
Sobrecarga e afastamentos
Junto ao quadro reduzido, a entidade enfrenta outro problema: um levantamento feito pelo governo do Distrito Federal aponta que 36% dos policiais civis tira um ou mais atestados médicos ao longo do ano. O cálculo descarta licenças-maternidade e possíveis documentos falsos. Os dados levam em conta documentos dos anos de 2011 e 2012 e foram coletados a partir dos CPFs dos funcionários, para evitar duplicidade. A média de dias de afastamento é de 11, e os motivos mais frequentes são ansiedade e depressão.
O diretor-geral da corporação, Eric Seba, disse que a situação preocupa. “Por que os afastamentos? Eles decorrem da questão da sobrecarga. Muita gente diz que a Polícia Civil ganha bem, que as pessoas reclamam à toa. Não é bem assim. Na verdade, o fator determinante é o padrão de trabalho, a qualidade de vida. Tem servidor indo embora porque, mesmo ganhando menos em outras áreas, vê uma qualidade maior de trabalho. Por isso que digo que a condição de trabalho influencia.”
Para contornar o problema, o gestor afirma que a orientação é que os servidores se restrinjam às obrigações da corporação – e não façam rondas, por exemplo, que integra o escopo das atividades militares. Outra ação tem sido no sentido de identificar policiais que tenham tido queda no rendimento e estimulá-los, seja oferecendo tratamento ou trocando de setor.
“Vamos descobrir porque ele tem aquele tipo de atitude e tentar, a partir daí, realocá-lo para onde ele pode render melhor ou descobrir o que ele precisa. Às vezes, ajuda médica, uma orientação. Nunca a cultura da penalização, pelo menos não em um primeiro momento. Ao contrário daquela imagem que se tem do servidor público batedor de carimbo, aqui não tem isso, pelo menos na Polícia Civil posso afirmar que não existe isso”, declarou.
O presidente do Sindicato dos Policiais Civis, Rodrigo Franco, diz haver uma espécie de círculo vicioso. O baixo efetivo provoca sobrecarga nos servidores em atividade, aumentando os índices de adoecimento e as licenças e exigindo ainda mais dos outros colegas.
“O policial está cansado, está desmotivado, ele está no sacrifício. Ele está cumprindo o seu dever, mas no limite do cansaço, da exaustão, porque há uma demanda muito grande de trabalho e pouca gente no trabalho”, diz.
Seba concorda e acrescenta que a natureza da atividade também tem corroborado para o desgaste dos servidores. O gestor conta que todos os estudos que consultou sempre apontam que a polícia é a primeira ou a segunda profissão que mais exige dos trabalhadores.
“Você está absorvendo uma clientela que nunca te procura por uma coisa positiva. São sempre pessoas chegando com problemas, com conflito, situações traumáticas. Pessoas mortas, famílias destruídas. Nós, policiais, a gente tem um sentimento muito grande de que precisamos dar uma resposta para a sociedade. Exercemos uma função que nos impõe essa responsabilidade. As pessoas lá fora estão indefesas. Se a gente não fizer nada por elas, quem vai fazer? É mais ou menos assim que a gente pensa”, conta.
Envelhecimento do quadro e concursos
A Polícia Civil tem três concursos em aberto, com inscrições até o dia 10 de abril: papiloscopista, delegado e médico-legista. Não há previsão para seleção de peritos criminais, e a tendência é o fim da carreira de agentes penitenciários. Em relação a escrivães e agentes policiais, a última prova foi em agosto de 2013. O certame expira em junho de 2016.
Os 475 aprovados que já fizeram o curso de formação e aguardam ser convocados formaram uma comissão para cobrar a medida. Um parecer da Procuradoria-Geral do Distrito Federal apontou que a contratação não esbarra nas restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal, já que a categoria é paga pela União – o Estado extrapolou o limite de gastos com pessoal no ano passado e está impedido de novas nomeações.
Representante do grupo, José Morais afirma acreditar que haja falta de vontade política. Ele conta que estudou dez horas por dia durante cinco meses para realizar o sonho de integrar o quadro da corporação.
“A gente se sente angustiado, desmotivado para fazer outras coisas, porque a gente fica na expectativa de ser nomeado. Já estamos há quase oito meses correndo atrás das nomeações”, disse. “A gente sabe que se colocar esses 475 só vai dar uma amenizada para os colegas que estão trabalhando hoje, sobrecarregados. É um absurdo isso que estão fazendo. É imoral deixar a segurança pública desse jeito.”
A comissão tem se reunido com deputados distritais e federais para pedir apoio na pressão ao governo. Os aprovados também já tiveram encontros com a direção da polícia e com membros do governo. Em nota, a Secretaria de Relações Institucionais confirmou os encontros, mas não deu detalhes sobre as negociações.
O diretor Eric Seba informou que a ideia é convocar o grupo ainda neste ano e, depois, estabelecer um cronograma de concursos. Segundo o gestor, o quadro está envelhecido, e nem todos os servidores têm mais disposição para as atividades de rua.
“Isso é natural, a gente sabe que o corpo vai tendo essa queda mesmo. Por isso pensamos em sistematizar a seleção, para que todo ano entre um quantitativo e sempre haja a renovação. Um concurso só pode ser aberto quando o último chamado toma posse ou quando a data expira. Isso significa que a gente perde uns dois ou três anos com isso. É tempo demais para a segurança pública”, explica.
O advogado Rodrygo Hallammo, de 37 anos, conta estar ansioso para ser convocado. Ele começou a estudar para os certames da Polícia Civil em 2008 e desde então fez três provas. O homem se diz ciente dos problemas enfrentados pelos colegas, mas afirma estar motivado.
“Trata-se de um trabalho arriscado, cansativo em razão dos plantões e carga de trabalho, por conta da quantidade insuficiente de servidores. Porém, sempre observei com bons olhos a atividade desempenhada pelos servidores policiais, pois tenho ciência de que o foco é ajudar e acolher a população que vive em situação de vulnerabilidade”, conclui.
Fonte: Publicada originalmente no G1 DF (por Raquel Morais)