O gênero Romance policial se caracteriza na sua estrutura narrativa pela presença do crime, da investigação e do malfeito. Tendo como foco a elucidação ou resolução do crime (mistério). Além de não permitir a impunidade, pois politicamente propõe que o crime não compensa. Essa é a definição clássica.
Edgar Alan Poe, Agatha Cristie, Arthur Conan Doyle
Para melhor nos situarmos na origem do romance policial, devemos buscar o início dos romances de aventura, pois por um longo tempo ambos estiveram intimamente ligados. Com a introdução do raciocínio e da lógica, a literatura de aventura vai aos poucos se transformando, mesmo que algumas vezes confusas, no que hoje seria o clássico romance policial.
Há diversas teorias sobre seu surgimento, entretanto a dedução e o raciocínio lógico constituem a base. Já em 1747, Voltaire publica “Zadig, ou O destino”, em que, através da dedução, o personagem, sem nunca ter visto a cadela da rainha e o cavalo do rei, ambos desaparecidos, os descreve com exatidão e, por isso, é acusado de tê-los roubado. Quando na realidade apenas se baseou nos vestígios deixados pelos animais na estrada para descrever suas características. Zadig foi preso. Mas, quando os animais reapareceram, os juízes pediram explicações a Zadig. Mas não sem antes obrigá-lo a pagar uma multa, como se a vítima tivesse que pagar pelo erro dos magistrados.
Zadig esclareceu que, no caso da cachorrinha, havia notado no chão pegadas do animal e logo concluíra ser de um cão. Percebeu também marcas leves e longas na areia entre os vestígios das patas, revelando que eram de uma cadela com tetas caídas, que assim sendo, estava recém-parida. Outros traços no chão em sentido diferente, ao lado das marcas da pata dianteira, mostravam o tamanho das orelhas em sua observação, da mesma forma que havia uma profundidade diferente entre as impressões de uma pata e outra – levando-o a concluir que a cadelinha mancava… Explicou também que, com o cavalo do rei, usara o mesmo método.
Na literatura de aventura, os heróis Ivanhoé, Robin Hood, Rei Artur e tantos outros, a ação comandava as cenas, o raciocínio frio e lógico, quando surgia, era superado pela valentia dos heróis ou pela força das armas. Por muito tempo o romance de aventura dominou o mundo literário e com o decorrer do tempo se dividiu em três fases: a primeira conservou o mesmo espírito, apenas ampliando seu campo de ação; a segunda de espionagem, que na verdade já existia, porém não com essa nomenclatura, pois a esta não figurava como o centro da intriga, como podemos citar Milady, no romance do célebre Alexandre Dumas, Os três mosqueteiros. E, finalmente a terceira fase, o romance policial surge tendo o raciocínio lógico como força preponderante suplantando a ação e as armas.
No início do século XX, S.S. Van Dine propôs as vinte regras do romance policial, regras muito boas para nortear a base de um bom livro. Mesmo recomendando que seja verossímil, não permite riscos para o detetive, nem nuances da vida amorosa do mesmo, com a intenção de não distrair o leitor, o que considero uma falha do clássico romance de enigma. Mas para nosso regozijo, dentro do gênero, encontramos o estilo negro, ou noir, como é mais conhecido, onde a semelhança com a vida real é marca registrada, nele o herói (investigador) corre os riscos inerentes ao trabalho, bem como tem sua vida exposta, seus casos amorosos, brigas, violência etc. Tendo paralela à investigação, outras tramas. Um dos grandes aurores, se não o maior, é o nosso Rubens Fonseca, poucos sabem que foi comissário de polícia no início de sua carreira, considerado por Leonardo Pandura, um dos melhores escritores do gênero. Fonseca se torna conhecido do grande público, ao ter suas obras levadas ao cinema, onde podemos destacar: Bufo & Spallanzani (romance), O cobrador (conto) e Mandrake que virou seriado de sucesso na HBO.
A nível mundial temos: Raymond Chandler, que exerceu uma influência enorme gênero romance policial moderno, tendo seu personagem, Philip Marlowe, também levado para o cinema, nos clássicos: À beira do Abismo.
Sem dúvida, é o estilo que mais me aproximo, e portanto meu romance: Enterro sem defunto, segue este caminho, porém como diz o escritor e crítico, Maurício R. B. Campos: “O tom que caracteriza a obra é o noir, mas foge daquele noir estereotipado. Estamos no Brasil, nos arredores de Brasília ou em uma praia de Maceió. O tom é colorido como nos convêm, longe do preto e branco ianque.”
Dentre outros estilos podemos destacar o Interpretativo, onde narra o crime já ocorrido, estilo muito bem utilizado por jornalistas, como no livro de Truman Capote, A sangue frio: trama que relata o brutal assassinato de quatro membros de uma família no Oeste do Kansas. O livro descreve, de forma minuciosa, a vida pregressa dos criminosos, sua fuga, bem como toda a investigação e a reação da população à época. Para isso, Capote realizou várias entrevistas, tendo inclusive se envolvido emocionalmente com os criminosos. E tudo termina com a condenação dos assassinos e posteriormente, enforcados.
No século XIX (abril 1841), Edgar Alan Poe publica em um periódico da Filadélfia, Granam’s magazine; Dois Crimes da Rua Morgues (Detetive C. Auguste Dupin) depois, A Carta Roubada (1845) e passa a ser considerado o pai do gênero policial e seu personagem, Dupin, torna-se referência para criação do detetivesco no romance policial. Entretanto, há relatos que no século XX o escritor e diplomata, ROBERT Van Gulik, traduziu The judge dee stories, as estórias de Ti Jen-Tsié, escritas no século VII. Uma série de contos policiais baseadas na vida desse juiz.
Outros autores tiveram breves passagens pelo gênero; Dostoiévski, Balzac, Victor Hugo e até mesmo Charles Dickens, que chegou a deixar um modelo de romance policial, que poderia se chamar de policial perfeito, mas infelizmente não, ao final, apontou o criminoso. Falo de O Mistério de Edwin Drood. Entretanto, tais autores tiveram incursões esparsas, ficando de fato Poe, como o grande inspirador do clássico do romance policial.
Enfim, seja qual for o estilo escolhido, o gênero policial sempre estará presente entre os melhores, pelo mistério, enigmas, deduções ou pela semelhança com a vida nua e verdadeira que nos cerca.
Daniel Barros
Escritor e policial pós-graduado em segurança pública