ABUSO DOS AGENTES DE SEGURANÇA: EM UM ÚNICO EVENTO, 40 POLICIAIS ENTRARAM SEM PAGAR

 

Fábio Magalhães

A carteira funcional, que por lei serve unicamente para identificação, tem sido utilizada por policiais, bombeiros e até mesmo fiscais da Infância e da Juventude como passaporte para a diversão. O documento vem sendo apresentado indevidamente nas entradas de shows, casas noturnas, bares e outros eventos, o que configura a famosa “carteirada”. Com isso, servidores públicos passam a ter entrada livre em estabelecimentos e caem na farra, gratuitamente, utilizando-se do cargo que ocupam.

A desculpa para o comportamento é que estão a serviço ou que, mesmo estando sem a farda, sua simples presença evitaria brigas e outros crimes. Porém, a atitude que num primeiro momento parece inofensiva, mascara o perigo do porte de arma destes agentes da lei em ambientes de entretenimento que, normalmente, é regado a bebidas alcoó licas.

 

Até 40 policiais

Recentemente, um segurança de uma empresa privada ficou gravemente ferido depois de ser baleado porque impediu um homem de entrar em uma festa no Pontão do Lago Sul, no Distrito Federal. O agressor foi identificado como comissário de menores de uma instituição vinculada ao Juizado de Menores do DF. Ele teria dado uma carteirada.

Casos de policiais que se exaltaram em bares, boates, shows e se utilizaram do porte de arma negativamente são comuns e deixam rastros de tragédias em várias localidades do DF. Um outro exemplo aconteceu em agosto, quando um policial militar, de 38 anos, saiu de uma casa noturna em Águas Claras exibindo duas armas. O militar, que havia ingerido bebida alcoólica, apontou as armas aos clientes que estavam no local. Ao perceber a confusão, um outro militar efetuou quatro disparos contra o policial, matando-o na hora.

Outro caso mais antigo ocorreu em 2011 envolvendo um soldado do 17° Batalhão da Polícia Militar, localizado em Águas Claras. Ele conseguiu entrar em uma casa noturna da cidade utilizando-se da identidade militar e do cargo. No  estabelecimento, embriagado e portando uma pistola.40, utilizada pela corporação, teve um desentendimento e efetuou disparos para o alto, causando pânico entre as pessoas. Neste caso, o militar foi autuado, pagou fiança de R$ 1 mil, e foi liberado.

 

Voz de prisão

Em outra ocasião, mais um policial militar se envolveu em confusão dentro de uma choperia, no Núcleo Bandeirante. Desta vez, o servidor público se desentendeu com um cliente e efetuou disparos de arma de fogo. Porém, um oficial que estava no estabelecimento deu voz de prisão ao policial. Por sorte, ninguém ficou ferido.

Segundo um gerente de uma casa noturna da Asa Norte, são frequentes os casos de policiais civis, militares e agentes penitenciários dando carteiradas para entrar nos eventos da casa. “Temos noite em que chegam até 40 policiais. Já tivemos problemas com delegado armado, agentes que agrediram nosso outro gerente”, lamenta ele.

 

Versão Oficial

Por meio de nota, o Centro de Comunicação Social da Polícia Militar informou que “esse procedimento é errado e não é autorizado pelo comando da Polícia Militar”. Quando constatado o abuso, “os comerciantes ou organizadores de eventos devem procurar a Corregedoria da PMDF para que o caso seja apurado”.

 

Cota policial para shows

Dono de uma famosa produtora de eventos em Brasília e São Paulo, um empresário, que também preferiu não se identificar, diz que realiza mensalmente uma média de oito eventos de grande porte em sua casa de shows. Segundo ele, em todos esses eventos, sem exceção, há policiais que chegam às bilheterias, apresentam a identidade e conseguem entrar. Devido à constância da situação, o empresário criou uma cota de entradas. “Trabalho nesse ramo há oito anos e isso sempre acontece. Todo evento tem entrada de policiais que dão carteirada. De certa forma, é um prejuízo, mas é calculado, porque os incluímos junto com as cortesias”, argumenta o empresário.

 

“Se não está a serviço, é cliente”

Diante do problema, o vice-presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Nadim Haddad, reconhece que esta é uma situação problemática para os empresários do setor. Em sua visão, é necessário haver uma regulamentação para a entrada de profissionais da segurança pública. “Achamos um absurdo essa atitude, e por isso defendo que é preciso normatizar. O policial, o militar, qualquer que seja, quando não está em serviço é um cliente como qualquer outro e tem que se comportar como tal”, opina.

O gerente de outro estabelecimento na Asa Norte se mostra indignado com essa postura. Pela sua casa passam, em média, 1,5 mil pessoas por noite. Normalmente, às quintas-feiras, até 20 policiais entram no local mostrando a identidade funcional, sem pagar e, alguns se recusam a arcar  até  com a consumação mínima. “É um abuso muito grande essa atitude. Nós temos custos, eles entram de graça e ainda têm alguns que querem ir para o camarote vip. Aqui, não é quartel, e não temos obrigação de recebê-los. Eles devem ser clientes como os outros”, desabafa o gerente, completando que os bombeiros são mais educados e, por isso, não há problemas com eles.

Chefe da Comunicação Social do Corpo de Bombeiros, tenente-coronel Mauro Sérgio de Oliveira afirma que não existe nenhum procedimento relacionado à entrada ilegal de militares em eventos privados. Segundo ele, toda e qualquer atitude que vá contra os princípios da corporação devem ser denunciadas pela população. “O Corpo de Bombeiros repudia este tipo de atitude. Reconhecemos que não existe lei ou norma que regulamente o comportamento fora do expediente e garantimos que os bombeiros só vão a eventos gratuitamente quando estão de serviço”, garante o militar.

 

Conduta pode render exclusão

Os fiscais da Vara da Infância e da Juventude, conhecidos como comissários de proteção, têm acesso livre aos locais sujeitos à fiscalização daquele órgão, seja estabelecimento comercial ou evento particular, com comercialização de ingressos, e essa normatização é amparada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Supervisor de Apuração e Proteção da Vara da Infância e da Juventude, Marcos Barbosa admite que existam casos de carteiradas dadas por comissários de proteção e que já houve representação e aplicação das penalidades. Neste momento, há inclusive um caso recente para o qual está sendo instaurado procedimento de apuração. “A Vara da Infância e da Juventude não compactua com atuações irregulares de comissários de proteção. Eventual ocorrência de prática irregular ou atitude vexatória constitui caso isolado, não demonstrando a conduta de todos”, defende Barbosa, alegando que a punição pode variar de advertência até a exclusão.

 

Portaria

Em nota, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) alegou que existe uma Portaria Conjunta com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), Polícia Militar e Corpo de Bombeiros que garante livre acesso dos servidores, quando estes estão no exercício de suas atividades, a todas as casas de diversões públicas e outros locais sujeitos à fiscalização.

O documento informa que, para o acesso, o policial deve identificar-se e o estabelecimento precisa encaminhar o registro à SSP. A corporação afirma que qualquer excesso ou irregularidade no uso dessa prerrogativa deverá ser comunicado à Ouvidoria ou à Corregedoria-Geral da PCDF.

 

Ponto de vista

Para a presidente da Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Aboec), Anita Pires, a entrada de policiais e representantes do Judiciário em eventos é um fato isolado que acontece somente no Distrito Federal. Ela garante que não há relatos desse mesmo comportamento em outros estados brasileiros. “Temos mais de 500 filiados em todo o País, produzimos espetáculos e eventos de grande porte e nunca soubemos que isso tivesse ocorrido em outras unidades da Federação, com tamanha frequência”,  diz.

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