Trabalho de investigação complexo

175479Prender uma pessoa por tráfico de drogas e convencer a Justiça a condená-la por esse crime é um trabalho complexo. A investigação policial tem de contar com filmagens, testemunhas e outros elementos que levem o magistrado a entender que o réu realmente obtém lucro com a venda de substâncias ilícitas. Como normalmente uma investigação criteriosa leva tempo para ser finalizada, não é possível estabelecer o mesmo rigor em todas as investigações de tráfico, pelo menos essa é a justificativa das polícias.

“Na CAD (Coordenação Anti-Drogas), mais de 95% dos presos por tráfico são condenados. Já nas circunscricionais, o índice ultrapassa os 80%. O crack dificultou bastante o trabalho da polícia porque o tráfico de pedras tem essa característica ambulante. O policial precisa identificar o cliente, fazer filmagem da ação e produzir uma prova qualificada de que o acusado é realmente um traficante. Isso é um trabalho que, na maioria das vezes, leva tempo”, disse Jorge Luiz Xavier.

Apesar das dificuldades, a polícia tem conseguido tirar das ruas cada vez mais entorpecentes. Estatísticas da Secretaria de Segurança Pública mostram que as apreensões de pedras subiram 27% no ano passado em relação a 2010. Passaram de 52kg para 66kg em 2011. No mesmo período, as polícias Civil e Militar recolheram mais maconha: o número saltou de 1.020kg para 1.224kg. Há duas semanas, o GDF anunciou outra estratégia para conter a criminalidade no DF: a criação do plano Ação pela Vida, com objetivo de atacar os delitos que mais incomodam a população do DF, entre eles o tráfico.

 

Meta

A meta é fazer com que as duas corporações trabalhem juntas, trocando informações e deflagrando operações integradas. O presidente do Conselho de Segurança (Conseg) de Brasília, Saulo Santiago, acredita que a ação pode trazer resultados positivos, desde que seja levado a sério. “Estou apostando muito nesse plano, mas tem de existir vontade política para produzir o efeito esperado”, afirmou.

No começo desta semana, o Conseg se reuniu com moradores e autoridades ligadas à área de segurança para discutir a violência na região central da capital. Um dos focos da discussão será a escalada do tráfico na Asa Norte. “Percebemos que, com a intensificação do policiamento na Rodoviária (do Plano Piloto) e em algumas quadras da Asa Sul, os traficantes migraram para a Asa Norte e estão assustando os moradores”, disse Saulo Santiago. (SA)

 

Operações integradas

Uma estratégia do plano para frear a escalada da violência é a divisão do DF em quatro grandes Regiões de Segurança Integrada (Risp). Cada área será dirigida por um delegado e um coronel. Eles têm a missão de cobrar resultados dos subordinados semanalmente e, se as metas forem cumpridas, todos os envolvidos podem receber bonificação. A possibilidade de pagamento extra será estudada pela Secretaria de Planejamento.

 

“O crack dificultou bastante o trabalho da polícia porque o tráfico de pedras tem essa característica ambulante. O policial precisa identificar o cliente, fazer filmagem da ação e produzir uma prova qualificada de que o acusado é realmente um traficante

Jorge Luiz Xavier, diretor da Polícia Civil do DF.

 

IMPUNIDADE »

Tráfico na frente da polícia

Criminosos e usuários criaram cracolândias até no perímetro de delegacias e postos da PM. Professores e pais estão preocupados com o assédio a alunos na porta de escolas públicas

» SAULO ARAÚJO

Morar perto de delegacias e batalhões não é garantia de tranquilidade para muitos brasilienses. Ao redor de várias unidades de segurança, usuários e traficantes de droga desafiam as autoridades e impõem o medo à população. A ousadia de quem vende substâncias ilícitas é tanta que nem a passagem constante de agentes é capaz de intimidá-los. Já os viciados acendem cachimbos de crack nas barbas do Estado, sem a menor preocupação. Ao contrário de outras épocas, não há correria ou desespero com a aproximação de homens fardados e armados. Para fugir do flagrante, alguns usam até os muros dos prédios públicos para esconder entorpecentes.

Na maior e mais populosa cidade do Distrito Federal, Ceilândia, a feira de drogas começa suas atividades de forma mais intensa ao cair da noite. A menos de 50 metros da 15ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Centro) homens, mulheres e até crianças têm acesso fácil a crack, cocaína e maconha. Na madrugada da última sexta-feira, o movimento de carros, inclusive de luxo, era intenso. Motoristas se dirigiam ao traficante, pagavam em dinheiro, recebiam as porções e iam embora rapidamente.

Nos cerca de 40 minutos em que a reportagem do Correio esteve no local, dois carros da Polícia Civil e um da Polícia Militar passaram ao lado do criminoso, mas ele não foi sequer abordado. Enquanto o negócio clandestino funcionava a todo vapor, do outro lado da rua era possível ver policiais no balcão de atendimento registrando ocorrências de rotina.

Audaciosos e fora de controle, viciados ignoravam a presença das autoridades policiais e consumiam crack sem constrangimento. A omissão do poder público fez com que a cracolândia enraizada no coração de Ceilândia e nas cercanias de uma delegacia se tornasse uma das maiores da capital. Quem relata a evolução é Maria, 30 anos, que há sete perambula pelas ruas da região administrativa pedindo dinheiro a fim de sustentar o vício.

“Há bem pouco tempo, as pessoas tinham medo de ficar perto da delegacia. Hoje, como sabemos que eles (policiais) não podem nos prender, a gente se sente até mais seguro. Ninguém vai ter coragem de matar a gente na cara do delegado”, contou a mulher, que preferiu omitir a identidade completa. Enquanto ela fumava a décima pedra do dia, um traficante agia sem se incomodar com a proximidade da DP e dos policiais. Disfarçado de flanelinha, o rapaz negociava o preço de pedras de crack com um casal dentro de um Fiat Uno.

 

Rotina incômoda

Traficantes também atuam com desenvoltura nas redondezas da 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Centro). Basta atravessar as duas avenidas que cortam o centro da segunda mais populosa cidade do DF para se deparar com cenas degradantes. A área concentra um dos maiores pontos de prostituição da capital. Algumas garotas de programa indicam aos clientes os pontos de tráfico de cocaína e maconha. Já os moradores de rua consomem pedras nas marquises de estabelecimentos comerciais e até encostados na parede de uma escola pública.

 

Na última quinta-feira, um Posto Comunitário de Segurança foi inaugurado na Praça do Relógio. No primeiro dia de funcionamento da unidade, pouca coisa mudou. A PM até deflagrou uma operação na região. Militares revistaram suspeitos, apreenderam pequena quantidade de droga, mas, ao se ausentarem, tudo voltou à rotina incômoda que tira o sono dos moradores. Perto dali, uma outra cracolândia desafia o poder público. A 300 metros do 2º Batalhão da PM e a menos de 100 metros do quartel do Corpo de Bombeiros, dezenas de viciados ocupavam as calçadas das lojas.

O cenário coloca em risco os estudantes do Centro de Ensino Médio EIT (Cemeit) do período noturno. A escola é vizinha do ponto de tráfico. Receosos, alunos passaram a andar em grupo, pois há diversos relatos de roubos, furtos e intimidação. Muitos preferem fazer caminhos mais longos até o ponto de ônibus a ter de passar perto dos dependentes e traficantes.

 

Depoimento

“Acho que vou umar até morrer”

“Tem sempre alguém vendendo (pedras de crack), na porta da DP (15ª Delegcia de Polícia). Há bem pouco tempo, as pessoas tinham medo de ficar perto da delegacia. Hoje a gente se sente até mais seguro. Ninguém vai ter coragem de matar na cara do delegado. A polícia já desistiu da gente. De vez em quando, eles passam, revistam nossas coisas e jogam fora nossa droga. Mas eles sabem que vamos morrer daqui a pouco e não querem sujar as mãos com a gente. Uma vez um polícia (policial) trouxe meu filho mais velho (de 14 anos) pra tentar me convencer a sair dessa vida. Fiquei envergonhada, quis voltar para casa, mas logo me ofereceram uma pedra e eu fiquei. Alguns (policiais) até tentam ajudar, mas o vício é mais forte. Eu queria muito voltar para minha filha, mas não consigo. Acho que vou fumar até morrer”.

Maria, 30 anos, usuária de crack há sete

 

Quadrilha presa

Na última terça-feira, 23 adultos foram presos e um adolescente apreendido suspeitos de integrarem a maior quadrilha de tráfico de drogas da Candangolândia.O grupo agia de forma violenta e também praticava sequestros relâmpagos no Plano Piloto, no Sudoeste, no Park Way e no Núcleo Bandeirante. Com o grupo, foram encontradas drogas como maconha, crack, cocaína e munição de armas exclusivas da polícia — incluindo uma calibre .50, capaz de derrubar um helicóptero. A quadrilha planejava criar o Primeiro Comando da Candangolândia (PCC), em alusão ao Primeiro Comando da Capital. Eles pretendiam incendiar delegacias e postos da PM.

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