JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS

Caros amigos e colegas Policiais civis do DF, após tomar conhecimento da bela ação realizada pela equipe de colegas lotados na 20ª Delegacia de Polícia (Gama oeste), resolvi vencer a inércia e tecer alguns breves comentários sobre o ocorrido.

Segundo a notícia, repercutida em todos os meios de comunicação do Brasil, os policias civis ficaram comovidos com a história de um homem que havia sido preso em Santa Maria, por furtar carne de um supermercado, resolveram pagar a fiança e comprar alimentos e produtos de higiene pessoal para ele e sua família.

Desempregado há três meses, o eletricista Mário Ferreira Lima, 47, que mora com o filho de 12 anos, tentou furtar 2 quilos de carne por volta das 16h de quarta-feira (13) em um supermercado, quando foi preso em flagrante. Interrogado, disse: “Fiz isso em um momento de desespero. Estava havia dois dias sem comer”.

Segundo os policiais, ao chegar à delegacia, o eletricista passou mal e desmaiou. O policial contou que a todo o momento Lima se desesperava por conta do filho, que estava sozinho em casa. A preocupação emocionou uma agente, que pagou a fiança de R$ 270. “Fizemos também uma vaquinha de R$ 300 com quase todos os policiais.”

A agente disse que, para ter certeza de que a história era verídica, os policiais foram até a casa de Lima e constataram que a situação era de extrema pobreza. Não havia nada na geladeira nem produtos de higiene pessoal, como pasta de dente e sabonete. Também não havia gás”, afirmou.

Apesar da boa vontade dos agentes, Lima pode ser condenado, já que foi preso em flagrante. A pena pode ser de um a quatro anos de prisão em regime fechado.

Após esse relato sucinto, passo a tecer algumas considerações. E o faço baseado na minha experiência vivida ao longo de vinte sete anos e meio na PCDF, parte desses, trabalhando nos plantões de delegacias como Agente de Polícia.

Primeiramente há que se reconhecer o senso de profissionalismo dos colegas, em que pese à história relatar um cruel drama social, envolvendo o personagem Mário, todas as providências legais foram levadas a efeito. O auto de prisão em flagrante foi realizado e a fiança arbitrada.  Poderia parar por aí como acontece em tantos outros casos nas dezenas de delegacias policiais. Mas, movidos por um sentimento, o qual, ouso denomina-lo, consciência humanista e Cristã, resolveram verificar as informações e ao final, após certificarem que estavam diante de mais uma, das milhares de vítimas de desgovernos, se comoveram pelo drama pessoal de Mário, e resolveram ajudá-lo.

Ora, isso mostra inequivocamente, que a nossa gloriosa Policia Civil, já sabidamente reconhecida como a melhor Polícia do Brasil possui em seus quadros excelentes profissionais. São profissionais da segurança pública, mas acima de tudo, são homens e mulheres que trabalham diuturnamente, muitas vezes além de suas forças, como o objetivo de prestar o melhor serviço para a sociedade. São servidores públicos, conscientes de seus deveres, que muitas vezes sacrificam suas vidas, saúde, famílias e sonhos, por amor a nobre missão de ser Policial.

Por outro lado, a atitude dos colegas policiais colabora para descontruir a terrível imagem que a sociedade ainda tem da Polícia. Imagem esta, construída ao longo de séculos, por atos de violências, arbitrariedades e desvios de conduta de servidores. Soma-se a isso, o gosto da mídia em explorar e divulgar, principalmente, as notícias ruins do dia a dia, e quando falam de Polícia, dão ênfase, quase sempre, em notas depreciativas. Sou do tempo em que o cidadão para demonstrar o orgulho de ser honesto dizia: somente entrei numa Delegacia para retirar a carteira de identidade. Outros, temendo, buscavam a solidariedade de amigos e parentes para acompanhá-los até uma DP, mesmo tratando de uma simples ocorrência. Tudo isto, em meu modesto ponto de vista, fruto da imagem que tinham da polícia, e que felizmente, estamos mudando.

Fico feliz, também, em saber que todo o trabalho se deu em equipe, composta de agentes novos e outros mais experientes. Isso mesmo, em que pese um ou outro ter tido a intuição, a equipe se envolveu. Primeiro em investigar se Mário falava a verdade e depois em ajudá-lo. Trabalhar em equipe, esse é uma das grandes lições que aprendi na PCDF e vivo este sentimento até os dias de hoje, seja, em família ou em qualquer outra atividade.

Acredito que os colegas de P-20 realizaram este belo gesto de caridade, não movidos por sentimentos de promoção pessoal, mesmo porque, sabemos que como policiais estamos sempre ajudando inúmeros cidadãos que batem à porta das delegacias, ou melhor, não batem à porta, porque delegacia de policia é um dos poucos órgãos públicos em que a porta permanece aberta dia e noite. A regra é ajudarmos sempre, seja uma orientação, uma carona, e até ajuda material. Como foi feito. Não os vejo como heróis, apesar de respeitar quem assim os defina, vejo-os como servidores conscientes, que tem sentimentos e procuram, sempre, fazer o melhor. Mesmo porque, a delegacia policial é o local onde se apresentam as mais diversas tragédias pessoais, familiares e sociais. Mas, do lado de dentro do balcão, haverá sempre um herói, anônimo, a receber o cidadão.

Mas o fato é que a notícia está sendo divulgada em nível nacional. E isso é extremamente positivo, por vários aspectos, em especial pelos já citados, mas ainda, pelo motivo de engrandecer a PCDF. Entendo que devemos aprender a tirar proveitos das coisas boas. Penso que temos o dever de colaborar divulgando este belo exemplo. Mostrar para nossos familiares, amigos, nas igrejas e onde mais tivermos oportunidade de falar. Até onde acompanhei, não importa se o acusado não é tão inocente assim, acima de tudo o que realmente importa foi a ação dos policias, que deram-lhe uma oportunidade. A sociedade reconhece e elogia este gesto, tanto que já teve até proposta de emprego para o sujeito. Agora, se ele vai aproveitar e mudar de vida, a decisão é exclusivamente dele. E não adianta, também, alguns desavisados falarem em tom de ironia que pode fazer besteira que os canas pagarão a fiança. Sabemos que a regra é que sempre cabe mais um no presídio. Pouco importa o fato da superlotação.

Além de melhorar a imagem, contribui para toda categoria e inclusive o SINPOL/DF, que ao apresentar os pleitos ao governo, dentre eles a urgente nomeação de centenas de policiais aprovados em concurso e a melhoria das condições de trabalho, mostra a sociedade que a Polícia Civil deseja é continuar prestando o melhor serviço possível.

A história da humanidade nos ensina que: “quem tem fome, tem fome”. E assim sendo, a pessoa é capaz de qualquer ato desesperado. Mas, por outro lado, o ordenamento legal também dispõe que: “Dura lex, sede lex”. Entendo que não devemos afrontar a ordem jurídica e o estado de direito, mas devemos reconhecer que há “crimes e crimes”.

Citando a estrofe da música “que país é este”, onde vemos a cada dia uma nova operação policial, como a recente operação caixa de pandora, onde pela primeira vez na história republicana do Brasil, um governador de estado e justamente o da capital do país, foi preso sob acusação de corrupção. E o mensalão dos partidos políticos, oposição e governo? E a corrupção na Petrobras, envolvendo desvios bilionários e com a prisão de autoridades do colarinho branco. Não seriam esses corruptos os responsáveis por milhares de miseráveis?  Ante um quadro tão perverso a pergunta: o que fazer com mais um miserável desempregado que passa fome? E respondo: tentar dar o melhor de nós para melhorar esta triste realidade. E foi o que foi feito. Por esta bela ação, é que parabenizo os colegas da 20ª DP. E concluo dizendo que o ato pode ser denominado como: fazer Justiça com as próprias mãos.

É por fatos como este que enquanto vida tiver me emocionarei ao ouvir o nosso hino, e repetirei sempre a estrofe: “Tenho orgulho de ser policial”.

José Pereira da S. Filho, ou J. Pereira – Mat. 25.544-0

Agente de Polícia aposentado e Advogado

 

 

 

 

Filiação